Uma
gota cai em um chão seco e rachado. O chão se junta e nasce uma árvore enorme,
que se transforma em um edifício espelhado. O que parecia ter terminado,
renasce. Assim começava a abertura da nova "RENASCER", de Benedito Rui Barbosa,
que estreou em 1993. E foi assim, que depois de ter a sensação de que meu mundo
tinha desmoronado, ressurgi para uma nova fase. Eu também, naquele primeiro
momento, ressurgi seco, sem muitas emoções. Era uma pessoa com sentimentos
trancados. Sempre na defensiva.
Algumas
pessoas vieram me falar ou me escreveram, sobre o quão emocionadas ficaram com
os relatos que aqui escrevi. Outras, sentiram pena... Eu mesmo senti pena. Mas
a vida passa muito rápido para que percamos tempo lamentando o que gostaríamos
de viver, ou de ter tido. Os sonhos não mais faziam parte do meu imaginário
infantil. Ali naquele momento, há 20 anos atrás, às vésperas de completar 15
anos de idade, decidi que tinha que viver de metas e objetivos. Naquela época,
não associava aquele sentimento a essas palavras, mas já as colocava em
prática.
Fui
de mãos dadas com minha madrinha pela rua, seguindo todas as suas instruções:
“não quero que você lave louça, nem arrume a casa”, “não ligue para o que seu
avô diz, porque ele já está velho”, “quero que você seja estudioso”, dentre
tantas outras recomendações. Mantínhamos, ainda, um distanciamento. Era tudo
muito formal. Sem carinhos e sem sentimentos. Fui fechando-me cada vez mais no
meu mundo e me contentando em viver daquela maneira. Ela tinha um bebê, Pedro,
hoje um homem de 21 anos. Ele tinha tudo. Um quarto só dele e carinho de uma
mãe de verdade. E eu, me sentia às vezes enciumado... Ela sempre foi A MINHA
madrinha. Agora tinha que dividi-la. Mas ela não era minha mãe. Eu não tinha
mais mãe. Era eu e eu. Simples assim. Me sentia às vezes como o João Pedro,
personagem do Marcos Palmeira, na novela que dá nome a esse capítulo. Ele
passou todo o folhetim sendo rejeitado pelo pai, José Inocêncio, personagem do
Antônio Fagundes, depois da morte de sua mãe e foi criado pela madrinha,
Morena, personagem da saudosa Regina Dourado. Eu também fui rejeitado pelo meu
pai depois da morte da minha mãe e fui criado pela minha madrinha. As razões
até hoje desconheço. Não fui buscá-las e nem quis fazer isso. Esse foi mais um
bloqueio que criei. Fui amadurecendo de maneira muito rápida, da mesma maneira
que acontecem as passagens de tempo das novelas que tanto gosto. Via minha
madrinha chegar cansada do trabalho e resolvi um dia lavar a louça, no outro,
arrumar a casa e no outro, aprender a cozinhar. E em algum tempo já a ajudava nas
tarefas domésticas. Intrínseca e inconscientemente, foi a maneira que eu
descobri, naquele momento, de recompensá-la pelo abrigo.
Em
determinada ocasião, aquela acomodação me azucrinava. Eu queria mais, queria
ser mais. Foquei nos estudos. Sabem que nunca repeti de ano na minha vida e nem
fiquei de recuperação? Pois é, isso já era resultado do meu foco... Lembro até
hoje o dia da minha formatura do antigo ginásio. Era um dia muito chuvoso
(parece história mesmo de novela, não é?) e ela, minha madrinha, não pode ir.
Não tinha ninguém para ir. Fui com minha, até hoje inseparável e confidente, amiga
Jocirlane e sua mãe. Não tinha ninguém para me apadrinhar... Fiquei triste, por
um momento, ao ver vários colegas com seus familiares e eu ali, mais uma vez
sozinho. Balancei a cabeça em sinal negativo como se a chacoalhasse e resolvi
agir. Enfrentei tantas situações difíceis, caramba! O que era aquele momento
perto do passado recente? Sorri, respirei fundo e imaginei uma trilha sonora,
daquelas que tocam para os personagens de novela quando eles dão a volta por
cima e tomei uma atitude. Resolvi de última hora escolher a então noiva do meu
professor de Matemática, Afonso Celso, que além de professor, era ator e
torcedor do Fluminense, um cara muito doido (uma vez ao aferir uma prova ele
colocou uma máscara de teatro e se cobriu com uma bandeira do seu time para que
ninguém percebesse para onde olhava...foi divertido...). Mas para não me perder
na narrativa, voltemos. Aquele dia, não foi de festa, não foi de glória, nem de
fotos. Saí do teatro com um canudo que representava o diploma e voltei para
casa com minha amiga e sua mãe, debaixo do temporal. Na minha casa não havia
comemoração, era um dia como outro qualquer.
Quando
a tristeza batia e os olhos marejavam, respirava fundo e escrevia. Lembrava das
trilhas sonoras. As novelas me faziam imaginar um mundo assim: todas as ocasiões
tinham uma música e é por isso que gosto de produzir clipes com minhas fotos. É
como se eu estivesse aplicando na vida real, tudo o que via na televisão. O que
sentia, escrevia em um diário. Ele se perdeu no tempo, mas lembro de alguns
episódios, engraçados até. Um dia minha madrinha, por engano (eu acho), pegou o
caderno e leu tudo! Dos amores que começavam a brotar na adolescência aos
momentos de frustração e de revolta. Em uma das passagens eu a chamava de chata
(rs). Ela passou dias, meses, falando aquelas coisas, que mais tarde entendi
que era o sentimento materno que começava a brotar em seu coração: “Você tem
que estudar! Mas como me acha uma chata!”, “Você tem que sair do colégio e
voltar direto para casa, mas como sou uma chata!” Nossa, foi uma saco! Uma
chatice!
O
tempo foi passando e as obrigações foram abrandando. Tivemos algumas pessoas
que colaboravam em sua ausência, pois nessa época ela já estava bastante ocupada
pulando de um plantão para outro, em pelo menos três hospitais diferentes.
Minha tia Amélia, sempre cuidou do Pedro, depois vieram algumas moças que
trabalharam na minha casa, que intercalavam cuidados com ele e meu avô: Kátia,
Cláudia, minha prima Cacá e uma grande amiga da família, Ana, foram alguns
nomes que passaram por lá e nos ajudaram bastante.
O
segundo grau (atual nível médio) chegou e com ele, os conflitos da transição
entre a adolescência e a fase adulta. As responsabilidades. E as
irresponsabilidades. Eu conflitava-me o tempo todo com o desejo de ser super
bem-sucedido. Mas era latente viver aventuras. Como disse em “posts”
anteriores, nunca quis ser ou levantar bandeiras de nada. A minha proposta,
desde o início, era contar a minha história, usando como fio condutor o amor.
Sentimento genuíno que herdamos do Criador. E como uma novela, cheia de
capítulos e tramas paralelas, também falar das subversões. Das vitórias e dos
arrependimentos. Dos acertos, dos erros e dos consertos.
Estava
de fato renascendo. Era outra pessoa. Enterrei junto com meu passado a
tristeza. Sabem de uma verdade? Comecei a deixar de lado aqueles momentos de
sofrimento e me tornei um adolescente que “curtiu a vida à doidado”. Queria ser
como Juscelino Kubitschek, presidente que governou o Brasil
entre 1956 e 1961. Nas diversas aulas
de História que assisti e, lógico, revividas em minha memória quando fui
telespectador da minissérie “JK”, de 2006, aprendi que sua eleição foi marcada
por um plano de ação denominado "Cinqüenta anos em Cinco", marca do chamado
“desenvolvimentismo”, já que a idéia era trazer ao Brasil o
desenvolvimento econômico e social. Segundo JK, se com outros governantes este
processo levaria cinqüenta anos, com ele levaria apenas cinco... E eu queria
viver isso. Tudo ao mesmo tempo. Como todo adolescente.
Passou
a tristeza. Apesar de não fazer parte da trilha sonora da novela “Renascer”, um
dia, ouvi uma música religiosa que passou a fazer parte da minha trilha sonora.
Chama-se “Plano Perfeito”. Me lembro de flashes caminhando pela praça do
colégio, no final da tarde, sozinho. Sentava, às vezes, nas mesas que os
velhinhos jogavam dama, com meu caderno, que ainda naquela época, fazia de
diário e no meu confidente, escrevia algumas angústias que ainda restavam em
meu peito. Não tinha ninguém para conversar. Não sobre tudo. Anos depois, a
formalidade com minha madrinha acabaria e nos tornaríamos mais que mãe e filho.
Seríamos amigos. Como somos até hoje. Anos depois, também, reviveria essa mesma
cena, em frente ao “Memorial JK” em Brasília. Numa recente viagem a trabalho,
lembrei de todas as dificuldades que venci e que me levaram até ali. Sim, eu
havia vencido. Havia... Renascido! A letra dessa música
fala sobre renascimento. Na crença no amor:
“Um plano pra salvar, um pacto pra selar
Silêncio no céu
Resgate e salvação encheu seu coração
Ele nem hesitou
No palco do amor, o autor anunciou
A vida e salvação
Tudo que ele fez foi obedecer
O plano que Deus escreveu
E quando a minha história parecia ter
chegado ao fim
A sua graça me alcançou”
Sim, o
amor está sempre presente. Na minha vida, nos meus passos e nas minhas
atitudes. Até nas erradas. Fui rebelde e irresponsável. Isso, hoje eu entendo
que também, fazia parte do meu processo de crescimento como ser humano. Estava
renascendo. Sabia que podia e queria mais. Queria estudar. Queria poder
trabalhar e ter as roupas e sapatos que nunca tive durante minha infância. E ia
ter. Não tinha mais sonhos e passei a correr atrás dos meus objetivos. E cada
um desses passos vou contar nos próximos capítulos.
Talvez,
você que vêm acompanhando ao longo dos meses essa minissérie autoral não tenha
se emocionado tanto como das outras vezes. Mas o meu renascimento foi assim
também. Seco, direto, objetivo e sem emoções. Fui frio nessa época. Também
estava incrédulo e precisava deixar o amor entrar novamente em meu peito para
entender que sem esse sentimento e sem a crença em Deus, objetivos eram apenas
metas. Hoje, essas duas palavras, na minha enciclopédia particular têm uma
fórmula, que não foi ensinada pelo Afonso Celso, o professor de Matemática. Foi
ensinada por um livro chamado “Vida”. É uma soma simples: (objetivos + metas +
amor) = SONHOS REALIZADOS.
E
assim renasci. De um amor implícito da minha madrinha por mim. Do sofrimento de
ser abandonado pelo meu pai após a morte da minha mãe, como o protagonista da
novela. Mas muitas aventuras iriam vir. E eu ressurgiria, como uma fênix. A ave
lendária que será a minha décima tatuagem. Um pássaro da mitologia grega que,
quando morria, entrava em auto-combustão e, passado algum tempo, renascia das
próprias cinzas. Suas lágrimas, diz a lenda, tem propriedades para curar
qualquer tipo de doença ou ferida. Assim como as minhas lágrimas curaram meu
sofrimento. Como a esperança que nunca teve fim para mim. E nos momentos de
angústia, conflitos e tristeza, que tenho até os dias de hoje, se renovam e
renascem.
Vivi
dois momentos paralelos, como se fosse dois “Julios”. Um de extrema
responsabilidade com meus estudos e meus planos e outro de também demasiada
irresponsabilidade. Foram ANOS REBELDES que transformavam-se em espermatozóides
e tentavam “furar” o bloqueio do útero da sensatez. Não, útero, não. Era um
coração que batia forte. E no próximo capítulo vocês irão entender cada passo
da minha formação estudantil, universitária e profissional. Era meu CORAÇÃO DE
ESTUDANTE que começava a tomar forma...