domingo, 29 de junho de 2014

Minha Vida: Capítulo 4: "RENASCER"

Uma gota cai em um chão seco e rachado. O chão se junta e nasce uma árvore enorme, que se transforma em um edifício espelhado. O que parecia ter terminado, renasce. Assim começava a abertura da nova "RENASCER", de Benedito Rui Barbosa, que estreou em 1993. E foi assim, que depois de ter a sensação de que meu mundo tinha desmoronado, ressurgi para uma nova fase. Eu também, naquele primeiro momento, ressurgi seco, sem muitas emoções. Era uma pessoa com sentimentos trancados. Sempre na defensiva.

Algumas pessoas vieram me falar ou me escreveram, sobre o quão emocionadas ficaram com os relatos que aqui escrevi. Outras, sentiram pena... Eu mesmo senti pena. Mas a vida passa muito rápido para que percamos tempo lamentando o que gostaríamos de viver, ou de ter tido. Os sonhos não mais faziam parte do meu imaginário infantil. Ali naquele momento, há 20 anos atrás, às vésperas de completar 15 anos de idade, decidi que tinha que viver de metas e objetivos. Naquela época, não associava aquele sentimento a essas palavras, mas já as colocava em prática.

Fui de mãos dadas com minha madrinha pela rua, seguindo todas as suas instruções: “não quero que você lave louça, nem arrume a casa”, “não ligue para o que seu avô diz, porque ele já está velho”, “quero que você seja estudioso”, dentre tantas outras recomendações. Mantínhamos, ainda, um distanciamento. Era tudo muito formal. Sem carinhos e sem sentimentos. Fui fechando-me cada vez mais no meu mundo e me contentando em viver daquela maneira. Ela tinha um bebê, Pedro, hoje um homem de 21 anos. Ele tinha tudo. Um quarto só dele e carinho de uma mãe de verdade. E eu, me sentia às vezes enciumado... Ela sempre foi A MINHA madrinha. Agora tinha que dividi-la. Mas ela não era minha mãe. Eu não tinha mais mãe. Era eu e eu. Simples assim. Me sentia às vezes como o João Pedro, personagem do Marcos Palmeira, na novela que dá nome a esse capítulo. Ele passou todo o folhetim sendo rejeitado pelo pai, José Inocêncio, personagem do Antônio Fagundes, depois da morte de sua mãe e foi criado pela madrinha, Morena, personagem da saudosa Regina Dourado. Eu também fui rejeitado pelo meu pai depois da morte da minha mãe e fui criado pela minha madrinha. As razões até hoje desconheço. Não fui buscá-las e nem quis fazer isso. Esse foi mais um bloqueio que criei. Fui amadurecendo de maneira muito rápida, da mesma maneira que acontecem as passagens de tempo das novelas que tanto gosto. Via minha madrinha chegar cansada do trabalho e resolvi um dia lavar a louça, no outro, arrumar a casa e no outro, aprender a cozinhar. E em algum tempo já a ajudava nas tarefas domésticas. Intrínseca e inconscientemente, foi a maneira que eu descobri, naquele momento, de recompensá-la pelo abrigo.

Em determinada ocasião, aquela acomodação me azucrinava. Eu queria mais, queria ser mais. Foquei nos estudos. Sabem que nunca repeti de ano na minha vida e nem fiquei de recuperação? Pois é, isso já era resultado do meu foco... Lembro até hoje o dia da minha formatura do antigo ginásio. Era um dia muito chuvoso (parece história mesmo de novela, não é?) e ela, minha madrinha, não pode ir. Não tinha ninguém para ir. Fui com minha, até hoje inseparável e confidente, amiga Jocirlane e sua mãe. Não tinha ninguém para me apadrinhar... Fiquei triste, por um momento, ao ver vários colegas com seus familiares e eu ali, mais uma vez sozinho. Balancei a cabeça em sinal negativo como se a chacoalhasse e resolvi agir. Enfrentei tantas situações difíceis, caramba! O que era aquele momento perto do passado recente? Sorri, respirei fundo e imaginei uma trilha sonora, daquelas que tocam para os personagens de novela quando eles dão a volta por cima e tomei uma atitude. Resolvi de última hora escolher a então noiva do meu professor de Matemática, Afonso Celso, que além de professor, era ator e torcedor do Fluminense, um cara muito doido (uma vez ao aferir uma prova ele colocou uma máscara de teatro e se cobriu com uma bandeira do seu time para que ninguém percebesse para onde olhava...foi divertido...). Mas para não me perder na narrativa, voltemos. Aquele dia, não foi de festa, não foi de glória, nem de fotos. Saí do teatro com um canudo que representava o diploma e voltei para casa com minha amiga e sua mãe, debaixo do temporal. Na minha casa não havia comemoração, era um dia como outro qualquer.

Quando a tristeza batia e os olhos marejavam, respirava fundo e escrevia. Lembrava das trilhas sonoras. As novelas me faziam imaginar um mundo assim: todas as ocasiões tinham uma música e é por isso que gosto de produzir clipes com minhas fotos. É como se eu estivesse aplicando na vida real, tudo o que via na televisão. O que sentia, escrevia em um diário. Ele se perdeu no tempo, mas lembro de alguns episódios, engraçados até. Um dia minha madrinha, por engano (eu acho), pegou o caderno e leu tudo! Dos amores que começavam a brotar na adolescência aos momentos de frustração e de revolta. Em uma das passagens eu a chamava de chata (rs). Ela passou dias, meses, falando aquelas coisas, que mais tarde entendi que era o sentimento materno que começava a brotar em seu coração: “Você tem que estudar! Mas como me acha uma chata!”, “Você tem que sair do colégio e voltar direto para casa, mas como sou uma chata!” Nossa, foi uma saco! Uma chatice!

O tempo foi passando e as obrigações foram abrandando. Tivemos algumas pessoas que colaboravam em sua ausência, pois nessa época ela já estava bastante ocupada pulando de um plantão para outro, em pelo menos três hospitais diferentes. Minha tia Amélia, sempre cuidou do Pedro, depois vieram algumas moças que trabalharam na minha casa, que intercalavam cuidados com ele e meu avô: Kátia, Cláudia, minha prima Cacá e uma grande amiga da família, Ana, foram alguns nomes que passaram por lá e nos ajudaram bastante.

O segundo grau (atual nível médio) chegou e com ele, os conflitos da transição entre a adolescência e a fase adulta. As responsabilidades. E as irresponsabilidades. Eu conflitava-me o tempo todo com o desejo de ser super bem-sucedido. Mas era latente viver aventuras. Como disse em “posts” anteriores, nunca quis ser ou levantar bandeiras de nada. A minha proposta, desde o início, era contar a minha história, usando como fio condutor o amor. Sentimento genuíno que herdamos do Criador. E como uma novela, cheia de capítulos e tramas paralelas, também falar das subversões. Das vitórias e dos arrependimentos. Dos acertos, dos erros e dos consertos.

Estava de fato renascendo. Era outra pessoa. Enterrei junto com meu passado a tristeza. Sabem de uma verdade? Comecei a deixar de lado aqueles momentos de sofrimento e me tornei um adolescente que “curtiu a vida à doidado”. Queria ser como Juscelino Kubitschek, presidente que governou o Brasil entre 1956 e 1961. Nas diversas aulas de História que assisti e, lógico, revividas em minha memória quando fui telespectador da minissérie “JK”, de 2006, aprendi que sua eleição foi marcada por um plano de ação denominado "Cinqüenta anos em Cinco", marca do chamado “desenvolvimentismo”, já que a idéia era trazer ao Brasil o desenvolvimento econômico e social. Segundo JK, se com outros governantes este processo levaria cinqüenta anos, com ele levaria apenas cinco... E eu queria viver isso. Tudo ao mesmo tempo. Como todo adolescente.

Passou a tristeza. Apesar de não fazer parte da trilha sonora da novela “Renascer”, um dia, ouvi uma música religiosa que passou a fazer parte da minha trilha sonora. Chama-se “Plano Perfeito”. Me lembro de flashes caminhando pela praça do colégio, no final da tarde, sozinho. Sentava, às vezes, nas mesas que os velhinhos jogavam dama, com meu caderno, que ainda naquela época, fazia de diário e no meu confidente, escrevia algumas angústias que ainda restavam em meu peito. Não tinha ninguém para conversar. Não sobre tudo. Anos depois, a formalidade com minha madrinha acabaria e nos tornaríamos mais que mãe e filho. Seríamos amigos. Como somos até hoje. Anos depois, também, reviveria essa mesma cena, em frente ao “Memorial JK” em Brasília. Numa recente viagem a trabalho, lembrei de todas as dificuldades que venci e que me levaram até ali. Sim, eu havia vencido. Havia... Renascido! A letra dessa música fala sobre renascimento. Na crença no amor:

“Um plano pra salvar, um pacto pra selar
Silêncio no céu
Resgate e salvação encheu seu coração
Ele nem hesitou
No palco do amor, o autor anunciou
A vida e salvação
Tudo que ele fez foi obedecer
O plano que Deus escreveu
E quando a minha história parecia ter chegado ao fim
A sua graça me alcançou”


Sim, o amor está sempre presente. Na minha vida, nos meus passos e nas minhas atitudes. Até nas erradas. Fui rebelde e irresponsável. Isso, hoje eu entendo que também, fazia parte do meu processo de crescimento como ser humano. Estava renascendo. Sabia que podia e queria mais. Queria estudar. Queria poder trabalhar e ter as roupas e sapatos que nunca tive durante minha infância. E ia ter. Não tinha mais sonhos e passei a correr atrás dos meus objetivos. E cada um desses passos vou contar nos próximos capítulos.

Talvez, você que vêm acompanhando ao longo dos meses essa minissérie autoral não tenha se emocionado tanto como das outras vezes. Mas o meu renascimento foi assim também. Seco, direto, objetivo e sem emoções. Fui frio nessa época. Também estava incrédulo e precisava deixar o amor entrar novamente em meu peito para entender que sem esse sentimento e sem a crença em Deus, objetivos eram apenas metas. Hoje, essas duas palavras, na minha enciclopédia particular têm uma fórmula, que não foi ensinada pelo Afonso Celso, o professor de Matemática. Foi ensinada por um livro chamado “Vida”. É uma soma simples: (objetivos + metas + amor) = SONHOS REALIZADOS.

E assim renasci. De um amor implícito da minha madrinha por mim. Do sofrimento de ser abandonado pelo meu pai após a morte da minha mãe, como o protagonista da novela. Mas muitas aventuras iriam vir. E eu ressurgiria, como uma fênix. A ave lendária que será a minha décima tatuagem. Um pássaro da mitologia grega que, quando morria, entrava em auto-combustão e, passado algum tempo, renascia das próprias cinzas. Suas lágrimas, diz a lenda, tem propriedades para curar qualquer tipo de doença ou ferida. Assim como as minhas lágrimas curaram meu sofrimento. Como a esperança que nunca teve fim para mim. E nos momentos de angústia, conflitos e tristeza, que tenho até os dias de hoje, se renovam e renascem.

Vivi dois momentos paralelos, como se fosse dois “Julios”. Um de extrema responsabilidade com meus estudos e meus planos e outro de também demasiada irresponsabilidade. Foram ANOS REBELDES que transformavam-se em espermatozóides e tentavam “furar” o bloqueio do útero da sensatez. Não, útero, não. Era um coração que batia forte. E no próximo capítulo vocês irão entender cada passo da minha formação estudantil, universitária e profissional. Era meu CORAÇÃO DE ESTUDANTE que começava a tomar forma...