domingo, 30 de março de 2014

Minha Vida: Capítulo 2: "FERA FERIDA"


Ei galera! Aqui estou de volta para escrever o capítulo dois da minha minissérie autoral. O ano de 1993 foi um dos mais trágicos da minha vida. Mas foi um ano decisivo. Foi nele que optei pelo caminho do bem. Apesar de tudo...

Bem, continuando de onde paramos, minha mãe vinha trabalhando cada vez mais. Ela já tinha sofrido um derrame cerebral que a tinha deixado há uns sete anos antes com todo o lado direito do corpo paralisado (nessa época eu devia ter uns cinco anos de idade). Desde muito pequeno sempre fui seu fã. Então, tudo que ela fazia ou falava era objeto de registro em minha mente e mesmo com tão pouca idade, lembro dessas lições e experiências. Ela conseguiu se recuperar e estava ali, sendo forte e enfrentado uma nova agrura que a vida lhe impôs. Sustentava-nos e nos defendia como uma leoa. Meu irmão mais velho, que por algum tempo era quem eu admirava, já dava sinais de envolvimento com drogas, aos 17, 18 anos e isso a deixava mais ferida. Lembro de vê-la, às vezes, cheirando as roupas dele e de uma surra que o deu quando percebeu que ele tinha fumado o primeiro (eu acho) cigarro de maconha. Imaginem vocês como deve ter sido difícil passar por tudo que ela passava e ainda ter que administrar um problema desses? Ainda penso até hoje o que leva as pessoas a se drogarem. Algo tão nocivo para si próprio, como pode exercer tanto fascínio? Não me cabe julgar, embora tenha feito isso por muito tempo na minha vida. Existem outras coisas que fazemos de forma tão natural e não percebemos (ou não queremos ver) que também nos fazem mal e podem ter conseqüências tão ou mais graves: transar sem camisinha e/ou com várias pessoas ao mesmo tempo, fumar cigarro, beber álcool desmedidamente... Enfim, um pouco de AMOR próprio não custa, mas cabe a cada um de nós julgarmos as nossas próprias atitudes e as conseqüências que elas trazem. Quero dizer com isso que não acho, até hoje, que devamos culpar alguém por enveredarmos por um caminho torto ou obscuro. As escolhas são nossas. Pagamos ou recebemos por elas. E por isso não atribuo ao meu pai (por mais que desaprove todas as suas atitudes), as escolhas feitas pelo meu irmão mais velho. Ele já era adulto e sabia o que fazia. Tinha orientação da minha mãe e, ainda assim, preferiu continuar.

Ela sofria muito e por isso, passou a ser uma mulher triste. Vivia para o trabalho e para o sustento dos filhos. Não se divertia mais, não sorria mais, não era mais feliz...Mas e o meu pai? Nesse ano de 1993, já não aparecia nem mensalmente mais. Suas visitas eram quase que trimestrais. Quantas vezes acordei de madrugada e ouvia o choro dela...sozinha... Tão difícil escrever isso, pessoal. Tudo vem à tona e minha vontade seria a de voltar no tempo e dar um jeito de viver tudo no lugar dela, que aquele sofrimento fosse meu. Nossa! Como sinto sua falta! Como ela foi importante pra mim, mesmo convivendo apenas 13 anos com ela. Tenho dois outros irmãos do mesmo casamento dos meus pais: Lourdinha (até os nomes são de novelas, não é? rs..) irmã mais velha que eu e mais nova que meu irmão Vítor. O outro, caçula, Felipe, tinha na época do falecimento da minha mãe, seis anos. E no último ano de vida dela, já não bastassem todos os problemas que vivíamos ele começou a desenvolver uma espécie de “diabetes emocional”. Segundo explica o Dr. Leão Zagury, membro da American Diabetes Association e da Sociedade Argentina de Diabetes, "o estresse emocional, tanto o bom quanto o ruim, pode funcionar como um gatilho que aciona o diabetes do tipo 1 e 2 em indivíduos com histórico familiar para o problema". E foi exatamente isso que aconteceu com ele. A ausência de recursos financeiros levou a minha mãe, sozinha, a buscar atendimento em postos de saúde. Na época, era ainda mais difícil conseguir um agendamento com especialista da rede pública, então ela tinha que sair com ele de madrugada (3:30, 4:00h) para chegar bem cedo ao posto de saúde e conseguir ser atendida. Eu a acompanhava em tudo, queria ser o homem da casa, mas era muito novo e muito pequeno (sempre tive baixíssima estatura, rs) e ela, então, não permitia. Mas eu acordava junto com eles e acompanhava cada passo: ia atrás deles no banheiro, ficava olhando ela arrumando meu irmão e muitas das vezes ela brigava comigo - “Vai dormir menino!”. Eu não ia. Era como se eu estivesse velando por eles e dentro da minha impossibilidade física, defendendo-os de todo o mal. Lembro como que fotografia registrada no meu “HD cerebral”, a última vez que eu os acompanhei ao portão: meu irmão “piquitito” com cinco anos, todo agasalhado, parecendo um boneco e eu enrolado em um cobertor olhando eles se distanciarem naquela madrugada cheia de neblina.

Naquele ano de 1993, estreou uma novela intitulada “FERA FERIDA”, que muito me chamou atenção pelo seu enredo. Revolta, morte e vingança eram o mote principal daquele folhetim. Essa novela, escrita por Aguinaldo Silva, Ricardo Linhares e Ana Maria Moretzsohn, foi embalada pelo tema musical de mesmo nome, de autoria do “rei” Roberto Carlos e interpretada magnificamente por Maria Bethânia. Os versos da canção fazem parte até hoje da minha história:

Acabei com tudo
Escapei com vida
Tive as roupas e os sonhos
Rasgados na minha saída...

Mas saí ferido
Sufocando meu gemido
Fui o alvo perfeito
Muitas vezes
No peito atingido...

Era o dia 29 de outubro do fatídico ano de 1993, mais ou menos 5:00h da madrugada, quando minha mãe se levantou para passar roupa para o meu irmão mais velho trabalhar. Em alguns minutos ela começou a sentir fortíssimas dores de cabeça e em questão de outros poucos minutos estava caída, com a língua enrolando dentro da boca. Meu coração dispara nesse momento que escrevo, da mesma maneira que disparou naquele dia, quando eu, como sempre, acordei junto com ela para seguir todos os seus passos. Foi sem dúvida, até hoje, o pior dia da minha vida. Meu irmão, muito forte, pegou-a nos braços e a colocou na cama com auxílio da minha irmã e eu correndo fui à casa da minha avó chamá-la para nos ajudar (lembram que morávamos todos no mesmo quintal?). Tínhamos uma vizinha “Dina” que, com todos os defeitos, sempre foi muito amiga e presente na nossa vida e ela, juntamente comigo, saiu em busca de um taxista, amigo seu, na rodoviária de Campo Grande, bairro que moro ainda até hoje. Fomos à pé, andando uns quatro quilômetros, desesperados e trêmulos. Eu lembro como se fosse hoje, que durante a caminhada eu olhava para o céu, com os olhos marejados e o coração apertado, rezava, orava, pedia a Deus e a todos os Santos que nada acontecesse com a minha mãe. Pedia a Deus para não me deixar sozinho no mundo, aquelas aflições de criança. Mas uma criança com uma sensibilidade muito grande. Na verdade eu, contra a minha vontade, pressentia que o pior estaria por vir... Dividia meus sentimentos entre a aflição da possível perda da minha mãe e a ausência insensível e revoltante do meu pai...

Eu sei!
Quanta tristeza eu tive
Mas mesmo assim se vive
Morrendo aos poucos por amor

Eu sei!
O coração perdoa
Mas não esquece à toa
E eu não me esqueci...

Minha irmã acompanhou a minha mãe ao hospital, ela era a parte mais racional da minha família. Lembro que as horas foram poucas (cerca de três), porém, pareciam dias até que ela voltasse do nosocômio. Meu corpo doía, minha cabeça rodava, meu irmão caçula pálido, vendo desenho na televisão em preto e branco, mas acho que também sentia algo. Eu e ele, ele e eu, somente. Até que minha irmã chegou e eu vi, da janela, uma vizinha amiga da minha idade, Vanessa, chorando antes de ela entrar em casa. Dessa cena também não me esqueci. Pronto! Eu já sabia! Ninguém precisava me dizer! Ela se foi! Que dor... a pior sentida em toda minha vida...Chorava, gritava. Joguei todas as roupas do meu pai que estavam no armário no chão, pisei em cima delas, gritava que o odiava e até que exausto, rouco, caí no chão abraçado ao travesseiro que tinha o cheiro dela. Meu pulmão doía de tanto gritar, as lágrimas saíam sozinhas sem sons. Estava cansado. Estava morto também. Seu cheiro estava ali, ainda perto de mim como se ela ainda estivesse viva. E vive, até hoje no meu peito, na minha memória. E essa é a homenagem que faço à ela, que me ensinou o que é o AMOR. Minha mãe, minha guerreira.

Não fui ao seu enterro. Fui criticado por muitos, mas não queria dentro do meu álbum fotográfico cerebral, ter registrada a cena dela dentro de um caixão. Por isso ela vive até hoje em minha memória.

Me senti sozinho
Tropeçando em meu caminho
À procura de abrigo
Uma ajuda, um lugar
Um amigo...
Animal ferido

Por instinto decidido
Os meus rastros desfiz
Tentativa infeliz
De esquecer...

Eu sei!
Que flores existiram
Mas que não resistiram
A vendavais constantes

Eu sei!
Que as cicatrizes falam
Mas as palavras calam
O que eu não me esqueci...

Meu pai, não sei como, apareceu naquele dia mesmo à noite. Chorava, pedia perdão a nós, abraçava-se aos meus irmãos e eu catatônico o observava como se a um ator em uma peça de teatro. Percebi dias depois que era, de fato, uma belíssima atuação. Eu, muito “franzino”, tinha corpo de 10 anos, idade de 13 e uma mentalidade e malícia de 25 anos. Seu comportamento me soava falso, não acreditava naquele sofrimento repentino. Mas as coisas ainda iriam piorar mais. Entretanto, um anjo surgiria na minha vida. E vocês me perguntam: mas ainda tem mais sofrimento? Tem. E ainda assim houve esperança por dias melhores? Sim. Estão curiosos de como continua? Aguardem, pois agora preciso secar lágrimas que não caíam há muito tempo dos meus olhos e como um bicho machucado, lamber as feridas que acabaram de se abrir novamente para tentar cicatrizá-las e continuar contando essa história no mês que vem...

Sou Fera Ferida
No corpo, na alma

E no coração...

5 comentários:

  1. Me lembrei da música 'esquina' de Djavan.... e do pequeno (pequeno mesmo) Davi, escolhido no meio de muuuuita gente grande, estava na visão do grande Deus... e mais tarde tornou-se Rei!!!!
    E assim é vc... especial, querido e amado!!!! Serei assídua na leitura de sua novela... e sei, que não diferente de muitos finais, ele será super feliz!
    Bjks Thalizia

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  2. Uau... Fazia parte da sua vida nessa época, me lembro de alguns dos fatos narrados, mas na inocência de uma menina boba de 13 anos que eu era. Tão bom viver pra ver que vc superou tudo isso e venceu. Bjs no coração!

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  3. Emocionante Julico, faz lembrar-me de minha mãe..., você é um guerreiro.

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  4. Querido Júlio, com certeza você vai sempre além, parabéns!

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  5. Preciso parar de ler um pouco para secar as minhas lágrimas tb.

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