domingo, 29 de junho de 2014

Minha Vida: Capítulo 4: "RENASCER"

Uma gota cai em um chão seco e rachado. O chão se junta e nasce uma árvore enorme, que se transforma em um edifício espelhado. O que parecia ter terminado, renasce. Assim começava a abertura da nova "RENASCER", de Benedito Rui Barbosa, que estreou em 1993. E foi assim, que depois de ter a sensação de que meu mundo tinha desmoronado, ressurgi para uma nova fase. Eu também, naquele primeiro momento, ressurgi seco, sem muitas emoções. Era uma pessoa com sentimentos trancados. Sempre na defensiva.

Algumas pessoas vieram me falar ou me escreveram, sobre o quão emocionadas ficaram com os relatos que aqui escrevi. Outras, sentiram pena... Eu mesmo senti pena. Mas a vida passa muito rápido para que percamos tempo lamentando o que gostaríamos de viver, ou de ter tido. Os sonhos não mais faziam parte do meu imaginário infantil. Ali naquele momento, há 20 anos atrás, às vésperas de completar 15 anos de idade, decidi que tinha que viver de metas e objetivos. Naquela época, não associava aquele sentimento a essas palavras, mas já as colocava em prática.

Fui de mãos dadas com minha madrinha pela rua, seguindo todas as suas instruções: “não quero que você lave louça, nem arrume a casa”, “não ligue para o que seu avô diz, porque ele já está velho”, “quero que você seja estudioso”, dentre tantas outras recomendações. Mantínhamos, ainda, um distanciamento. Era tudo muito formal. Sem carinhos e sem sentimentos. Fui fechando-me cada vez mais no meu mundo e me contentando em viver daquela maneira. Ela tinha um bebê, Pedro, hoje um homem de 21 anos. Ele tinha tudo. Um quarto só dele e carinho de uma mãe de verdade. E eu, me sentia às vezes enciumado... Ela sempre foi A MINHA madrinha. Agora tinha que dividi-la. Mas ela não era minha mãe. Eu não tinha mais mãe. Era eu e eu. Simples assim. Me sentia às vezes como o João Pedro, personagem do Marcos Palmeira, na novela que dá nome a esse capítulo. Ele passou todo o folhetim sendo rejeitado pelo pai, José Inocêncio, personagem do Antônio Fagundes, depois da morte de sua mãe e foi criado pela madrinha, Morena, personagem da saudosa Regina Dourado. Eu também fui rejeitado pelo meu pai depois da morte da minha mãe e fui criado pela minha madrinha. As razões até hoje desconheço. Não fui buscá-las e nem quis fazer isso. Esse foi mais um bloqueio que criei. Fui amadurecendo de maneira muito rápida, da mesma maneira que acontecem as passagens de tempo das novelas que tanto gosto. Via minha madrinha chegar cansada do trabalho e resolvi um dia lavar a louça, no outro, arrumar a casa e no outro, aprender a cozinhar. E em algum tempo já a ajudava nas tarefas domésticas. Intrínseca e inconscientemente, foi a maneira que eu descobri, naquele momento, de recompensá-la pelo abrigo.

Em determinada ocasião, aquela acomodação me azucrinava. Eu queria mais, queria ser mais. Foquei nos estudos. Sabem que nunca repeti de ano na minha vida e nem fiquei de recuperação? Pois é, isso já era resultado do meu foco... Lembro até hoje o dia da minha formatura do antigo ginásio. Era um dia muito chuvoso (parece história mesmo de novela, não é?) e ela, minha madrinha, não pode ir. Não tinha ninguém para ir. Fui com minha, até hoje inseparável e confidente, amiga Jocirlane e sua mãe. Não tinha ninguém para me apadrinhar... Fiquei triste, por um momento, ao ver vários colegas com seus familiares e eu ali, mais uma vez sozinho. Balancei a cabeça em sinal negativo como se a chacoalhasse e resolvi agir. Enfrentei tantas situações difíceis, caramba! O que era aquele momento perto do passado recente? Sorri, respirei fundo e imaginei uma trilha sonora, daquelas que tocam para os personagens de novela quando eles dão a volta por cima e tomei uma atitude. Resolvi de última hora escolher a então noiva do meu professor de Matemática, Afonso Celso, que além de professor, era ator e torcedor do Fluminense, um cara muito doido (uma vez ao aferir uma prova ele colocou uma máscara de teatro e se cobriu com uma bandeira do seu time para que ninguém percebesse para onde olhava...foi divertido...). Mas para não me perder na narrativa, voltemos. Aquele dia, não foi de festa, não foi de glória, nem de fotos. Saí do teatro com um canudo que representava o diploma e voltei para casa com minha amiga e sua mãe, debaixo do temporal. Na minha casa não havia comemoração, era um dia como outro qualquer.

Quando a tristeza batia e os olhos marejavam, respirava fundo e escrevia. Lembrava das trilhas sonoras. As novelas me faziam imaginar um mundo assim: todas as ocasiões tinham uma música e é por isso que gosto de produzir clipes com minhas fotos. É como se eu estivesse aplicando na vida real, tudo o que via na televisão. O que sentia, escrevia em um diário. Ele se perdeu no tempo, mas lembro de alguns episódios, engraçados até. Um dia minha madrinha, por engano (eu acho), pegou o caderno e leu tudo! Dos amores que começavam a brotar na adolescência aos momentos de frustração e de revolta. Em uma das passagens eu a chamava de chata (rs). Ela passou dias, meses, falando aquelas coisas, que mais tarde entendi que era o sentimento materno que começava a brotar em seu coração: “Você tem que estudar! Mas como me acha uma chata!”, “Você tem que sair do colégio e voltar direto para casa, mas como sou uma chata!” Nossa, foi uma saco! Uma chatice!

O tempo foi passando e as obrigações foram abrandando. Tivemos algumas pessoas que colaboravam em sua ausência, pois nessa época ela já estava bastante ocupada pulando de um plantão para outro, em pelo menos três hospitais diferentes. Minha tia Amélia, sempre cuidou do Pedro, depois vieram algumas moças que trabalharam na minha casa, que intercalavam cuidados com ele e meu avô: Kátia, Cláudia, minha prima Cacá e uma grande amiga da família, Ana, foram alguns nomes que passaram por lá e nos ajudaram bastante.

O segundo grau (atual nível médio) chegou e com ele, os conflitos da transição entre a adolescência e a fase adulta. As responsabilidades. E as irresponsabilidades. Eu conflitava-me o tempo todo com o desejo de ser super bem-sucedido. Mas era latente viver aventuras. Como disse em “posts” anteriores, nunca quis ser ou levantar bandeiras de nada. A minha proposta, desde o início, era contar a minha história, usando como fio condutor o amor. Sentimento genuíno que herdamos do Criador. E como uma novela, cheia de capítulos e tramas paralelas, também falar das subversões. Das vitórias e dos arrependimentos. Dos acertos, dos erros e dos consertos.

Estava de fato renascendo. Era outra pessoa. Enterrei junto com meu passado a tristeza. Sabem de uma verdade? Comecei a deixar de lado aqueles momentos de sofrimento e me tornei um adolescente que “curtiu a vida à doidado”. Queria ser como Juscelino Kubitschek, presidente que governou o Brasil entre 1956 e 1961. Nas diversas aulas de História que assisti e, lógico, revividas em minha memória quando fui telespectador da minissérie “JK”, de 2006, aprendi que sua eleição foi marcada por um plano de ação denominado "Cinqüenta anos em Cinco", marca do chamado “desenvolvimentismo”, já que a idéia era trazer ao Brasil o desenvolvimento econômico e social. Segundo JK, se com outros governantes este processo levaria cinqüenta anos, com ele levaria apenas cinco... E eu queria viver isso. Tudo ao mesmo tempo. Como todo adolescente.

Passou a tristeza. Apesar de não fazer parte da trilha sonora da novela “Renascer”, um dia, ouvi uma música religiosa que passou a fazer parte da minha trilha sonora. Chama-se “Plano Perfeito”. Me lembro de flashes caminhando pela praça do colégio, no final da tarde, sozinho. Sentava, às vezes, nas mesas que os velhinhos jogavam dama, com meu caderno, que ainda naquela época, fazia de diário e no meu confidente, escrevia algumas angústias que ainda restavam em meu peito. Não tinha ninguém para conversar. Não sobre tudo. Anos depois, a formalidade com minha madrinha acabaria e nos tornaríamos mais que mãe e filho. Seríamos amigos. Como somos até hoje. Anos depois, também, reviveria essa mesma cena, em frente ao “Memorial JK” em Brasília. Numa recente viagem a trabalho, lembrei de todas as dificuldades que venci e que me levaram até ali. Sim, eu havia vencido. Havia... Renascido! A letra dessa música fala sobre renascimento. Na crença no amor:

“Um plano pra salvar, um pacto pra selar
Silêncio no céu
Resgate e salvação encheu seu coração
Ele nem hesitou
No palco do amor, o autor anunciou
A vida e salvação
Tudo que ele fez foi obedecer
O plano que Deus escreveu
E quando a minha história parecia ter chegado ao fim
A sua graça me alcançou”


Sim, o amor está sempre presente. Na minha vida, nos meus passos e nas minhas atitudes. Até nas erradas. Fui rebelde e irresponsável. Isso, hoje eu entendo que também, fazia parte do meu processo de crescimento como ser humano. Estava renascendo. Sabia que podia e queria mais. Queria estudar. Queria poder trabalhar e ter as roupas e sapatos que nunca tive durante minha infância. E ia ter. Não tinha mais sonhos e passei a correr atrás dos meus objetivos. E cada um desses passos vou contar nos próximos capítulos.

Talvez, você que vêm acompanhando ao longo dos meses essa minissérie autoral não tenha se emocionado tanto como das outras vezes. Mas o meu renascimento foi assim também. Seco, direto, objetivo e sem emoções. Fui frio nessa época. Também estava incrédulo e precisava deixar o amor entrar novamente em meu peito para entender que sem esse sentimento e sem a crença em Deus, objetivos eram apenas metas. Hoje, essas duas palavras, na minha enciclopédia particular têm uma fórmula, que não foi ensinada pelo Afonso Celso, o professor de Matemática. Foi ensinada por um livro chamado “Vida”. É uma soma simples: (objetivos + metas + amor) = SONHOS REALIZADOS.

E assim renasci. De um amor implícito da minha madrinha por mim. Do sofrimento de ser abandonado pelo meu pai após a morte da minha mãe, como o protagonista da novela. Mas muitas aventuras iriam vir. E eu ressurgiria, como uma fênix. A ave lendária que será a minha décima tatuagem. Um pássaro da mitologia grega que, quando morria, entrava em auto-combustão e, passado algum tempo, renascia das próprias cinzas. Suas lágrimas, diz a lenda, tem propriedades para curar qualquer tipo de doença ou ferida. Assim como as minhas lágrimas curaram meu sofrimento. Como a esperança que nunca teve fim para mim. E nos momentos de angústia, conflitos e tristeza, que tenho até os dias de hoje, se renovam e renascem.

Vivi dois momentos paralelos, como se fosse dois “Julios”. Um de extrema responsabilidade com meus estudos e meus planos e outro de também demasiada irresponsabilidade. Foram ANOS REBELDES que transformavam-se em espermatozóides e tentavam “furar” o bloqueio do útero da sensatez. Não, útero, não. Era um coração que batia forte. E no próximo capítulo vocês irão entender cada passo da minha formação estudantil, universitária e profissional. Era meu CORAÇÃO DE ESTUDANTE que começava a tomar forma... 

sábado, 10 de maio de 2014

Minha Vida: Capítulo 3: "UM DOCE DE MÃE"

Vocês sabem que sempre posto um capítulo a cada último sábado do mês, certo? 

Mas esta postagem atrasou proposital e providencialmente, não necessariamente nesta seqüência. No mês de abril passado, nasceu um embrião que estava sendo projetado há mais ou menos 10 anos... sim, 10 an-os: o site do meu amigo Marcos Araújo www.fanz.com.br. Site esse que convido-os a ler pois tem um pouco de tudo: cultura, literatura, teatro, cinema e é claro, seguimento underground que é o seu estilo precípuo. Valeu a pena esperar pois o “negócio” projetado por ele ficou muito, muito bacana. Ah, sou colunista de lá também, mais um motivo para vocês, meus seguidores, darem uma força e alavacarem a audiência do site. Mas como havia dito, a data de estréia conflitaria com a minha publicação e coincidentemente (ou não), o meu foi adiado para hoje, véspera do Dia das Mães. Fiquei pensando qual o nome daria para este “post” já que queria falar sobre o anjo que estaria por cruzar o meu caminho. Contudo, não achei que nenhuma novela, até hoje, com nome de anjo, se encaixaria na proposta, nem pelo título, nem por sua sinopse. O texto já explodia em minha cabeça, mas o nome... que angústia! Tentei não me desesperar pois tal qual as telenovelas, muitas tem sua denominação modificada pelo menos umas três vezes antes de sua estréia. Então, com vocês, aquela que entrou em minha vida não só como um anjo, ela era de carne e osso e forte como Maria, mãe de Jesus, e doce...como UM DOCE DE MÃE!

Parei a história contando sobre a retumbante volta teatral do meu pai, chorando copiosamente com saudades da minha mãe e pedindo perdão a todos nós... Cansei de pensar nessa parte, pois um sentimento sepultado de revolta que tenho em meu peito parece querer ressuscitar. Naquele dia ele nos encheu de promessas como fizera durante toda a vida ao lado da minha mãe... Mas, por mais que eu quisesse acreditar nele, eu não conseguia...

Enfim, os dias foram passando, meu irmão mais velho, já sem a “marcação cerrada” da minha mãe, entrava cada vez mais no mundo sombrio das drogas. Preciso ressaltar algumas coisas sobre isso: Eu sabia do que ele fazia, as companhias que ele andava não eram das melhores e tinham fama pelo bairro, porém nunca vi nada, uma cena sequer. Ele nunca se permitiu ser visto por nós. Mas não posso negar também, que meu irmão durante muito tempo cumpriu um papel que deveria ser do meu pai. Se não fosse ele ajudando nas despesas de casa, minha mãe teria feito tudo sozinha. E fez a maioria, lógico. Porém, meu irmão com 17, 18 anos, nesse sentido, se tornou fonte de inspiração pra mim no futuro. Pena ter sido fraco diante daquele mal. Poderia ter sido um homem melhor... Minha irmã já estava prestes a se casar e assim, eu e meu irmão mais novo, Felipe, tínhamos cada vez mais que contar um com o outro.

Como já disse em um "post" anterior, não estou aqui para contar muitos detalhes da minha vida. Apenas o que acho enriquecedor aos olhos dos outros e para mim como ser humano. Também não vou apontar erros de outras pessoas, embora alguns deles se façam necessários para completar minha narrativa. Mesmo assim, preciso dedicar uma frase, uma parte desta história ao meu irmão Felipe, na época com 6 e hoje com 27 anos. Como disse, tenho seis irmãos: quatro de sangue (um deles fora do casamento do meu pai) e dois de coração (que amo como se de sangue fossem). Felipe é, deles, o que mais sinto orgulho. Se vocês acham que sofri, lendo a minha história, considero meu irmão um "mini-herói". À ele, todas as minhas honras. Ele, de fato, sofreu muito mais do que eu. Perdeu a mãe e o pai, bem cedo, e seus padrinhos também. Passou fome alguns dias ao meu lado, passou pela casa de várias pessoas, logo depois que meu pai nos abandonou até ficar de vez (e até hoje com meu cunhado e minha irmã, que o consideram como filho) e hoje, é um homem honrado. Trabalha, estuda e tem sua vida pautada na honestidade. Esse é o cara! Meu irmão querido, Felipe...

Com a ausência do meu irmão e da minha irmã, meu pai um dia, mais precisamente, no dia da missa de sétimo dia da minha mãe, disse que deveria sair à noite para resolver um problema e que voltaria mais tarde. Ele não foi à missa e também não voltou mais para casa. No dia 5 de novembro de 1993, nos despedimos para nunca mais nos vermos. Ele saiu e não voltou mais. Tive algumas notícias ao longo do tempo sobre ele, todas muito evasivas até o dia que recebi a notícia de sua morte, há uns quatro ou cinco anos atrás, não sei ao certo. Desapeguei-me totalmente. Tornou-se um estranho. Vou confessar algo que nunca falei com ninguém: tentei perdoá-lo. Pedia a Deus para abrir o meu coração e me fazer seguir os ensinamentos bíblicos que foram reforçados em todas as religiões que passei e pesquisei. Confesso também que não consegui. Sinceramente? Não por mim. Pela minha mãe e pelo meu irmão mais novo. Por todo o sofrimento que lhes foi causado. No dia de sua morte, chorei. Não consigo até hoje classificar o que senti. Tenho apenas certeza que não era amor. Acho que por isso chorei. Por não sentir nada por ele. Me sentia culpado aos olhos de Deus. Resolvi tentar esquecer aquilo tudo e hoje, quando lembro, peço por ele em minhas orações. Acho que minha mãe gostaria dessa atitude. Mas peço como se fosse para qualquer outro ser humano que precisa de misericórdia.

Bem, preciso voltar um pouquinho para não me perder. A ida dele culminou em outro momento difícil da minha vida. Sem pai, sem mãe e sem irmãos, estávamos ali, dentro daquela casa, palco de festas, churrascos e ceias de Natal felizes, apenas eu e meu irmão. Duas crianças e uma televisão em preto e branco, que eu (nessa hora, ao lembrar-me, um riso de melancolia, de canto de boca desperta em meu rosto acompanhado de um suspiro), colocava papel celofane verde, vermelho ou azul para ver se ficava colorida como dos meus colegas de colégio, que tinham TV em cores. Naqueles dias, ainda havia resíduos de comida no armário, que eu ia “esticando” a medida que podia. Mas uma hora acabaria...

Colocava meu irmão para a escola pela manhã, preparava o jantar com esses alimentos que ainda tinham na dispensa e assim foram passando os dias, três, quatro, cinco... Até que... a comida acabou. “Dina”, aquela vizinha que me ajudou a buscar o taxista para socorrer minha mãe, foi presente também nessa época. Lembro com riqueza de detalhes quando ela me dava alguns pratos de comida por cima do muro para dividir com meu irmão. Minha mãe deve ter recebido ela no céu de braços abertos, por ter nos ajudado. Uma pena, ela também já se foi. No meu quintal, cercado de familiares por parte de pai, ninguém nos ajudava. Eram indiferentes. Como hoje sou com todos eles. Às vezes nos encontramos pelas ruas do bairro e, errado ou não, faço questão de não cumprimentar nenhum deles. Como disse, não sou exemplo de ser humano perfeito. Naquele período de dificuldades e abandono, minha avó, minha tia, meus primos, ninguém perguntava se precisávamos de algo. Estávamos ali, prontos para começar um processo de míngua alimentar. E por isso, também não consigo perdoá-los. Criei uma barreira de concreto e ferro entre nós, que não consigo nutrir qualquer tipo de carinho. Aliás, nenhum tipo de sentimento. Mas, diante daquela penúria anunciada, me deu um estalo! Para economizar a nossa comida, nos alimentávamos bem na escola, pois nos colégios públicos, a merenda, na maioria das vezes servia-se comida. Era nosso almoço. Mas não tinha lanche e nem café da manhã, tampouco jantar. Essa é uma das partes (pasmem!), que mais sinto orgulho de contar. Restaram na dispensa apenas farinha e açúcar. A comida para o jantar acabara e a vergonha de continuar pedindo comida à vizinha chegou... Comecei então a fazer para nossa janta, uma “farofa doce”. A receita era simples, podem anotar se quiserem: resto de óleo velho que tinha em uma frigideira, farinha e açúcar. Fritava bem até ficar torradinha. Mandávamos pra dentro com água e estávamos prontos pra dormir! Na minha inocência de uma criança de 13 anos, esqueci que isso também acabaria. Durou, ao certo, apenas três dias. No quarto não tínhamos mais nada. A fome bateu, a saudade das pessoas que amava também e um “mix” de muitos sentimentos tomou conta de mim. Olhava meu irmão novinho, pálido, triste e uma mágoa, misturava-se com ódio da vida e do mundo tomava conta do meu peito, na minha impossibilidade de fazer algo. Foi aí que resolvi dar o tiro de misericórdia. Coloquei-o para dormir, desligando a televisão. Essa tática era a última e desesperada para não ouvi-lo me dizer que estava com fome... Eita, que saco! Não consigo enxergar o teclado porque as lágrimas embaçam meus olhos lembrando daquela cena. Enfim, respiro fundo e continuando a narrativa, lembrei que ainda tinha minha madrinha, Nanci. Morria de medo dela (rs), ela era superbrava, durona, metódica e nossa relação nem era tão próxima assim. Engraçado...Hoje meus sobrinhos me vêem da mesma maneira. Acho que virei uma cópia do que ela foi. E me orgulho muito disso.

Minha madrinha era a única que eu confiava para contar tudo que estava acontecendo e era a última oportunidade de ajuda que eu poderia ter. Meu padrinho, irmão do meu pai, estava no mesmo lado de sua família: indiferente a mim. Então, eu com aquele corpinho mirrado de 10 anos de idade (apesar dos 13, rs), estufei meu peito e fui procurá-la. Não podia fazer com meu irmão o mesmo que meu pai. Não podia abandoná-lo como a vida já tinha feito tantas vezes em tão pouco tempo. Fui à casa da minha madrinha e ela estava de plantão (ela trabalha em hospital até hoje. Aliás, uma das profissões que tenho, técnico de Radiologia, foi justamente porque vi nela ao longo desses anos, todo o exemplo de ser humano que queria ser). Falei com meu avô (ela morava com ele) rapidamente o que estava acontecendo, que eu e meu irmão estávamos sozinhos em casa há dias (só não disse que estávamos passando fome) e voltei para casa, com o peito murcho dessa vez. Totalmente impotente. Cheguei em casa e me tranquei no banheiro para meu irmão não acordar e chorei, copiosamente. Lembrava da minha mãe. D´ela levando ele ao médico de madrugada. D´ele pálido sem comida. De nós dois abandonados... Caramba! Muita dor tomava conta do meu peito. Mas engraçado...Nunca quis morrer para não sofrer mais. O sentimento de revolta era constantemente substituído por um pensamento que virou um “mantra” pra mim: "Vou dar a volta por cima e um dia vou contar essa história!" Pois, eis ela.

Naquele dia adormeci no sofá e fui acordado com uma mão acariciando meu rosto na mesma noite. Era o anjo! Aquele anjo que tanto falei e que, na verdade, sempre esteve ao meu lado. O anjo era forte e obstinado, justo e disposto como a mãe das mães, Maria, a de Jesus. Tinha um sorriso no rosto e não fez muita cerimônia e “na lata” me mandou o recado, assim como o arcanjo Gabriel quando anunciou a vinda do Salvador a Maria. Era ela: minha madrinha, Nanci. Me disse com a firmeza que sempre lhe foi peculiar: “Você vai juntar suas coisas agora e vai embora comigo! Junte as do seu irmão também que levaremos ele para a casa de sua tia.” Era minha Tia Amélia, outra irmã de minha mãe. Ali começava uma nova etapa da minha vida.

Esse terceiro capítulo, me obriga a fazer um balanço de cenas que vivi até aqui e nunca esqueci: As festas na minha casa, aniversários, ceias de Natal; minha mãe levando meu irmão de madrugada ao posto de saúde pra tratar o seu diabetes precoce; a morte dela repentinamente; o retorno e abandono do meu pai; as refeições de farinha com açúcar; a fome; as lágrimas trancado no banheiro e eu olhando pra trás quando fui embora daquela casa... Era o ano de 1994. Há vinte anos atrás. As cenas passam pela minha cabeça como os folhetins que tanto sou fissurado, como “flash backs”. Nesse período muitas novelas e minisséries estrearam. Umas de muito sucesso e outras nem tanto. Quase vinte anos depois, estrearia um seriado que hoje me faz pensar no futuro. Esse seriado, deu à uma das damas do teatro, televisão e cinema brasileiros, Fernanda Montenegro, o “Oscar” da televisão: o Grammy de melhor atriz. Penso no futuro quando vejo essa série, porque acho que minha “nova mãe” vai ser assim também: doidinha, impetuosa, independente e doce. Um "DOCE DE MÃE". Essa foi a reviravolta que estava por vir em minha vida. “Meus bens e meus mals”, estavam no passado. Enterrados, mas de vez em quando lembrados em minha história. As feridas da fera, estavam começando a cicatrizar. E eu estava ali, renascendo “do” e “no” amor. Mais uma vez. Deus não tinha me abandonado. Ele nunca nos abandona. Tudo é providência. Tudo é aprendizado.

Amanhã é Dia das Mães. Agradeço a Deus por ter me dado a oportunidade de ter tido duas. Ainda lembro do cheiro do travesseiro que minha mãe dormia. Ele está entranhado em minhas narinas desde o dia que ela morreu. Seus cabelos lisos e grisalhos, seu olhos verdes, sua gargalhada... Sinto falta. Mas hoje, tenho outra: os cabelos não são grisalhos e lisos naturais, ela pinta e faz escova progressiva. Seus olhos são castanhos e geralmente sua gargalhada é precedida ou procedida de um berro, pois ela é, por natureza, deliciosamente escandalosa. São irmãs, de sangue. E tem um cheiro muito parecido...Quando a saudade aperta também cheiro seu travesseiro. Nunca falei isso para ela, ela vai saber quando estiver, junto com vocês, lendo este "post".

Aproveitem o Dia das Mães e mimem também sua matriarca. Não sabemos até quando elas estarão ao nosso lado. Aprendi a não temer a morte, mas me previno para que quando ela chegue, eu não tenha deixado de dizer “eu te amo” e ter demonstrado meus sentimentos de todas as maneiras que Deus me permite fazê-lo. Que o Dia das Mães de todos nós seja DOCE como a série de TV, e que possamos lembrar que Deus está nos observando, pronto pra dar o Seu recado, basta estarmos atentos e de coração aberto a ouvi-lo ou senti-lo. Essa é minha homenagem àquelas que souberam me mostrar o verdadeiro significado da palavra amor: MINHAS MÃES. Mas a vida continua e continuaria depois daquele episódio. Eu, com uma mochilinha nas costas, uma sacola de supermercado com algumas peças de roupa em um dos braços e de mãos dadas com a minha nova mãe, olhei pra trás e vi aquela casa, que tantos momentos vivi e me fez amadurecer tanto em tão pouco tempo de vida. E decidi, então, que eu iria RENASCER... Mas esse é um outro capítulo, que compartilho com vocês no mês que vem...

domingo, 30 de março de 2014

Minha Vida: Capítulo 2: "FERA FERIDA"


Ei galera! Aqui estou de volta para escrever o capítulo dois da minha minissérie autoral. O ano de 1993 foi um dos mais trágicos da minha vida. Mas foi um ano decisivo. Foi nele que optei pelo caminho do bem. Apesar de tudo...

Bem, continuando de onde paramos, minha mãe vinha trabalhando cada vez mais. Ela já tinha sofrido um derrame cerebral que a tinha deixado há uns sete anos antes com todo o lado direito do corpo paralisado (nessa época eu devia ter uns cinco anos de idade). Desde muito pequeno sempre fui seu fã. Então, tudo que ela fazia ou falava era objeto de registro em minha mente e mesmo com tão pouca idade, lembro dessas lições e experiências. Ela conseguiu se recuperar e estava ali, sendo forte e enfrentado uma nova agrura que a vida lhe impôs. Sustentava-nos e nos defendia como uma leoa. Meu irmão mais velho, que por algum tempo era quem eu admirava, já dava sinais de envolvimento com drogas, aos 17, 18 anos e isso a deixava mais ferida. Lembro de vê-la, às vezes, cheirando as roupas dele e de uma surra que o deu quando percebeu que ele tinha fumado o primeiro (eu acho) cigarro de maconha. Imaginem vocês como deve ter sido difícil passar por tudo que ela passava e ainda ter que administrar um problema desses? Ainda penso até hoje o que leva as pessoas a se drogarem. Algo tão nocivo para si próprio, como pode exercer tanto fascínio? Não me cabe julgar, embora tenha feito isso por muito tempo na minha vida. Existem outras coisas que fazemos de forma tão natural e não percebemos (ou não queremos ver) que também nos fazem mal e podem ter conseqüências tão ou mais graves: transar sem camisinha e/ou com várias pessoas ao mesmo tempo, fumar cigarro, beber álcool desmedidamente... Enfim, um pouco de AMOR próprio não custa, mas cabe a cada um de nós julgarmos as nossas próprias atitudes e as conseqüências que elas trazem. Quero dizer com isso que não acho, até hoje, que devamos culpar alguém por enveredarmos por um caminho torto ou obscuro. As escolhas são nossas. Pagamos ou recebemos por elas. E por isso não atribuo ao meu pai (por mais que desaprove todas as suas atitudes), as escolhas feitas pelo meu irmão mais velho. Ele já era adulto e sabia o que fazia. Tinha orientação da minha mãe e, ainda assim, preferiu continuar.

Ela sofria muito e por isso, passou a ser uma mulher triste. Vivia para o trabalho e para o sustento dos filhos. Não se divertia mais, não sorria mais, não era mais feliz...Mas e o meu pai? Nesse ano de 1993, já não aparecia nem mensalmente mais. Suas visitas eram quase que trimestrais. Quantas vezes acordei de madrugada e ouvia o choro dela...sozinha... Tão difícil escrever isso, pessoal. Tudo vem à tona e minha vontade seria a de voltar no tempo e dar um jeito de viver tudo no lugar dela, que aquele sofrimento fosse meu. Nossa! Como sinto sua falta! Como ela foi importante pra mim, mesmo convivendo apenas 13 anos com ela. Tenho dois outros irmãos do mesmo casamento dos meus pais: Lourdinha (até os nomes são de novelas, não é? rs..) irmã mais velha que eu e mais nova que meu irmão Vítor. O outro, caçula, Felipe, tinha na época do falecimento da minha mãe, seis anos. E no último ano de vida dela, já não bastassem todos os problemas que vivíamos ele começou a desenvolver uma espécie de “diabetes emocional”. Segundo explica o Dr. Leão Zagury, membro da American Diabetes Association e da Sociedade Argentina de Diabetes, "o estresse emocional, tanto o bom quanto o ruim, pode funcionar como um gatilho que aciona o diabetes do tipo 1 e 2 em indivíduos com histórico familiar para o problema". E foi exatamente isso que aconteceu com ele. A ausência de recursos financeiros levou a minha mãe, sozinha, a buscar atendimento em postos de saúde. Na época, era ainda mais difícil conseguir um agendamento com especialista da rede pública, então ela tinha que sair com ele de madrugada (3:30, 4:00h) para chegar bem cedo ao posto de saúde e conseguir ser atendida. Eu a acompanhava em tudo, queria ser o homem da casa, mas era muito novo e muito pequeno (sempre tive baixíssima estatura, rs) e ela, então, não permitia. Mas eu acordava junto com eles e acompanhava cada passo: ia atrás deles no banheiro, ficava olhando ela arrumando meu irmão e muitas das vezes ela brigava comigo - “Vai dormir menino!”. Eu não ia. Era como se eu estivesse velando por eles e dentro da minha impossibilidade física, defendendo-os de todo o mal. Lembro como que fotografia registrada no meu “HD cerebral”, a última vez que eu os acompanhei ao portão: meu irmão “piquitito” com cinco anos, todo agasalhado, parecendo um boneco e eu enrolado em um cobertor olhando eles se distanciarem naquela madrugada cheia de neblina.

Naquele ano de 1993, estreou uma novela intitulada “FERA FERIDA”, que muito me chamou atenção pelo seu enredo. Revolta, morte e vingança eram o mote principal daquele folhetim. Essa novela, escrita por Aguinaldo Silva, Ricardo Linhares e Ana Maria Moretzsohn, foi embalada pelo tema musical de mesmo nome, de autoria do “rei” Roberto Carlos e interpretada magnificamente por Maria Bethânia. Os versos da canção fazem parte até hoje da minha história:

Acabei com tudo
Escapei com vida
Tive as roupas e os sonhos
Rasgados na minha saída...

Mas saí ferido
Sufocando meu gemido
Fui o alvo perfeito
Muitas vezes
No peito atingido...

Era o dia 29 de outubro do fatídico ano de 1993, mais ou menos 5:00h da madrugada, quando minha mãe se levantou para passar roupa para o meu irmão mais velho trabalhar. Em alguns minutos ela começou a sentir fortíssimas dores de cabeça e em questão de outros poucos minutos estava caída, com a língua enrolando dentro da boca. Meu coração dispara nesse momento que escrevo, da mesma maneira que disparou naquele dia, quando eu, como sempre, acordei junto com ela para seguir todos os seus passos. Foi sem dúvida, até hoje, o pior dia da minha vida. Meu irmão, muito forte, pegou-a nos braços e a colocou na cama com auxílio da minha irmã e eu correndo fui à casa da minha avó chamá-la para nos ajudar (lembram que morávamos todos no mesmo quintal?). Tínhamos uma vizinha “Dina” que, com todos os defeitos, sempre foi muito amiga e presente na nossa vida e ela, juntamente comigo, saiu em busca de um taxista, amigo seu, na rodoviária de Campo Grande, bairro que moro ainda até hoje. Fomos à pé, andando uns quatro quilômetros, desesperados e trêmulos. Eu lembro como se fosse hoje, que durante a caminhada eu olhava para o céu, com os olhos marejados e o coração apertado, rezava, orava, pedia a Deus e a todos os Santos que nada acontecesse com a minha mãe. Pedia a Deus para não me deixar sozinho no mundo, aquelas aflições de criança. Mas uma criança com uma sensibilidade muito grande. Na verdade eu, contra a minha vontade, pressentia que o pior estaria por vir... Dividia meus sentimentos entre a aflição da possível perda da minha mãe e a ausência insensível e revoltante do meu pai...

Eu sei!
Quanta tristeza eu tive
Mas mesmo assim se vive
Morrendo aos poucos por amor

Eu sei!
O coração perdoa
Mas não esquece à toa
E eu não me esqueci...

Minha irmã acompanhou a minha mãe ao hospital, ela era a parte mais racional da minha família. Lembro que as horas foram poucas (cerca de três), porém, pareciam dias até que ela voltasse do nosocômio. Meu corpo doía, minha cabeça rodava, meu irmão caçula pálido, vendo desenho na televisão em preto e branco, mas acho que também sentia algo. Eu e ele, ele e eu, somente. Até que minha irmã chegou e eu vi, da janela, uma vizinha amiga da minha idade, Vanessa, chorando antes de ela entrar em casa. Dessa cena também não me esqueci. Pronto! Eu já sabia! Ninguém precisava me dizer! Ela se foi! Que dor... a pior sentida em toda minha vida...Chorava, gritava. Joguei todas as roupas do meu pai que estavam no armário no chão, pisei em cima delas, gritava que o odiava e até que exausto, rouco, caí no chão abraçado ao travesseiro que tinha o cheiro dela. Meu pulmão doía de tanto gritar, as lágrimas saíam sozinhas sem sons. Estava cansado. Estava morto também. Seu cheiro estava ali, ainda perto de mim como se ela ainda estivesse viva. E vive, até hoje no meu peito, na minha memória. E essa é a homenagem que faço à ela, que me ensinou o que é o AMOR. Minha mãe, minha guerreira.

Não fui ao seu enterro. Fui criticado por muitos, mas não queria dentro do meu álbum fotográfico cerebral, ter registrada a cena dela dentro de um caixão. Por isso ela vive até hoje em minha memória.

Me senti sozinho
Tropeçando em meu caminho
À procura de abrigo
Uma ajuda, um lugar
Um amigo...
Animal ferido

Por instinto decidido
Os meus rastros desfiz
Tentativa infeliz
De esquecer...

Eu sei!
Que flores existiram
Mas que não resistiram
A vendavais constantes

Eu sei!
Que as cicatrizes falam
Mas as palavras calam
O que eu não me esqueci...

Meu pai, não sei como, apareceu naquele dia mesmo à noite. Chorava, pedia perdão a nós, abraçava-se aos meus irmãos e eu catatônico o observava como se a um ator em uma peça de teatro. Percebi dias depois que era, de fato, uma belíssima atuação. Eu, muito “franzino”, tinha corpo de 10 anos, idade de 13 e uma mentalidade e malícia de 25 anos. Seu comportamento me soava falso, não acreditava naquele sofrimento repentino. Mas as coisas ainda iriam piorar mais. Entretanto, um anjo surgiria na minha vida. E vocês me perguntam: mas ainda tem mais sofrimento? Tem. E ainda assim houve esperança por dias melhores? Sim. Estão curiosos de como continua? Aguardem, pois agora preciso secar lágrimas que não caíam há muito tempo dos meus olhos e como um bicho machucado, lamber as feridas que acabaram de se abrir novamente para tentar cicatrizá-las e continuar contando essa história no mês que vem...

Sou Fera Ferida
No corpo, na alma

E no coração...

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Minha Vida: Capítulo 1: "MEU BEM, MEU MAL"

Bem pessoal, estou aqui mais uma vez, para escrever o primeiro capítulo da minha “minissérie”. Como sou noveleiro assumido, cada capítulo terá o nome de uma novela ou minissérie que gostei muito e, claro, que tenha a ver com o momento que quero descrever. Lembramos do fio condutor? Amor, certo? Ok. Comecemos então.

Era o ano de 1980. Em 29 de julho eu nascia em Campo Grande, bairro da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. Terceiro filho de Adélia e... Jaime (depois vocês entenderão as reticências). Considero que fui uma criança feliz e inocente até meados dos 9, 10 anos. O terreno da casa que morava era bem grande. Nele havia a minha e mais duas ocupadas por parentes da parte do meu pai. Em uma delas, a maior, moravam minha avó, minha tia e todos os seus sete ou oito filhos. Não lembro. Preferi apagar. Na rua perpendicular à minha, moravam meus avós maternos e a irmã caçula da minha mãe, minha madrinha, Nanci. Apesar disso, era distante geograficamente para uma criança.

Lembro de momentos felizes. São lapsos de memória que me permito recordar. O batizado do meu irmão mais novo, Felipe, por exemplo. Lembro também, da primeira festa de aniversário que ele teve, onde a minha mãe aproveitou o seu nascimento no mês de junho e fez uma festa junina, com direito a bolo de fogueira. Um feito para a época que se faziam apenas  festas de palhaço com cabeça de isopor em cima do bolo... Meu quarto tinha quatro camas, todas elas com colchas iguais, confeccionadas pela minha mãe. Ela comprava metros e metros de pano e produzia as colchas e as capas dos travesseiros. Nas paredes, quadros de madeira com desenhos do Walt Disney, que meu pai desenhava e pintava. Acho que o único dom que herdei dele que preferi manter. As festas de Natal e Ano Novo também eram legais. Ficávamos o dia inteiro na cozinha preparando a ceia, eu e meus irmãos arrumávamos a casa, passávamos cera no chão (aqueles com “vermelhão”, que deixavam a sola do pé manchada...rs). Lembro também que uma semana antes, minha mãe (ah... quantas saudades dela...), limpava o telhado por dentro, pois estavam sempre cheios de teias de aranha. Depois, comprava cal (uma espécie de pó branco combinado à água que faz as vezes de tinta, só que bem mais barato) e misturava em um corante qualquer para mudar as cores das paredes, arrumando a casa para os festejos de fim de ano. Lembro da última cor que pintamos: amarelo.

Meu pai, pelo que me lembro, sempre trabalhou à noite e minha mãe virou dona de casa logo depois que casou. Até que, quando eu ainda muito criança (fui saber tempos depois), minha mãe descobriu que ele mantinha um relacionamento extraconjugal há muitos anos, quase o mesmo tempo daquele casamento, que eu, na minha inocência, considerava feliz.  Uma conclusão eu tirei depois de tantos anos que se passaram: Ela realmente o amou. E AMOU MUITO. Assim como amou todos os seus filhos, de maneira tão intensa que viveu seus poucos 43 anos como se 80 fossem. Não posso me estender em muitos detalhes, pois existem duas situações que me impedem: detalhes da minha vida que são só meus e outros que deixariam essa história longa demais. Vou ater-me aos principais momentos para que vocês possam entender lá na frente. Lembro que mais tarde, minha mãe descobriu que além de ter uma amante, ela visitava a casa da minha avó, levando o “neto”. Lembra da maior casa do meu quintal? Sim nesta casa. Eu recordo claramente de um dia ter brincado com meu irmão, sem saber que ele era filho do mesmo pai. Anos depois, minha mãe descobriu isso tudo. Brigou com todos e ainda foi agredida pela minha tia, irmã dele. Coisas de novela? Não. A mais pura verdade. A vida real. Ela sofreu muito. E por amar, perdoou. A ele e a toda a sua família conivente com toda aquela história suja.

Minha mãe...exemplo de mulher. Exemplo de ser humano. Talvez um exemplo que não quis ter, somente admirar, para não passar pelo mesmo sofrimento. Aí começava a me tornar um homem mais duro e mais maduro para aqueles quase 10 anos de idade.

Cerca de dois anos depois, meu pai arrumou um outro emprego e....outra amante! Caramba! Depois de tudo que minha mãe sofreu, novamente estávamos vivendo aquelas discussões em casa, "eu te amo pra lá", "me perdoa pra cá", e todas aquelas histórias que vão minando qualquer relação de amor.  E qualquer relação de respeito que um filho possa ter por um pai. MEU BEM, MEU MAL. Já era maior, entendia das coisas e o sofrimento da minha mãe me consumia. Até que ele começava a vir dia sim, dia não, para casa. Depois semana sim, semana não. E depois mês sim, mês não. Ela sempre o aceitava. Ela o amava. Ele por sua vez, deixou por completo suas obrigações de pai. Minha mãe voltou a trabalhar fora. Lembro que de início fazia às vezes de doméstica na casa do meu avô. Lavava, limpava, fazia comida e ele sempre a ajudava. Ela fazia os afazeres, pois não queria ser simplesmente sustentada pelo meu avô. E meu pai... Nem notícias. Minha mãe começou então a trabalhar como copeira em um clube perto da minha casa: o Campo Grande Atlético Clube. Lembro até hoje d´ela chegando em casa com um saco plástico com restos de comida, que ela alegava para seus supervisores ser para os cachorros e de dentro dele tirava um outro saquinho bem protegido e em seu interior havia queijo e presunto, que ela dava a mim e aos meus irmãos. A grana era muito pouca para uma mulher e quatro filhos, então o que complementava a nossa refeição era a “xepa” do sacolão. Esse sacolão existe até os dias de hoje. De vez em quando eu vou lá... Estou escrevendo agora e sorrindo lembrando da nossa comida: um dia arroz com ensopado de cenoura, no outro com ensopado de chuchu e no outro com ensopado de batata e por aí seguia com qualquer resto de legume que ela conseguia recolher. Orgulho demais de ter tido essa mãe. Na verdade, tive sorte. Creio nisso. Meu irmão mais velho, Vitor, já estava fazendo uns bicos e trabalhava em um aviário (aqueles locais onde vendem aves, vivas e mortas) próximo a minha casa, ajudava a minha mãe ocupando o lugar e absorvendo uma responsabilidade de pai, que era do meu pai, no “alto” dos seus 17 anos. E assim íamos seguindo. Foi nessa época que comecei a me revoltar com ele...Jaime (entenderam a reticências agora?). Já não aceitava suas idas e vindas sem explicação. Resolvi fazer a minha parte: estudar. Estudava muito. Comia livros. E por isso, vou dedicar um capítulo somente à minha formação.

Sempre gostei de novelas. Era um mundo de fantasias igual aos livros que lia. Naquela época, estava no ar uma chamada "MEU BEM, MEU MAL", de Cassiano Gabus Mendes. Entre tantas tramas, algumas coisas me marcaram: foi a última da atriz Lídia Brondi, havia uma personagem muito popular interpretada por Vera Zimmerman, chamada “Divina Magda”, pelo mordomo Porfírio, interpretado por Guilherme Karam, no núcleo principal da novela: a mansão dos Venturini. Mas existia uma que me chamou a atenção: um homem pobre, Doca (Cássio Gabus Mendes), que teve que conviver com a alta sociedade para vingar as amarguras do passado de uma outra madame vivida pela Isis de Oliveira (sim, a irmã da Luma). Na verdade, queria ser como ele. Também transitar entre o mundo de pessoas elegantes e bem sucedidas, mas com outro objetivo: mostrar que apesar de tudo havia vencido.

Muitos anos depois de comer arroz ensopado com chuchu, eu estaria ministrando palestras em congressos fora do estado e participando de jantares no salão nobre do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Novela? Não. Vida real, que segue nos próximos capítulos...

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

UMA HISTÓRIA CHAMADA "MINHA VIDA", ONDE O FIO CONDUTOR CHAMA-SE "AMOR"

Bem, como escrevi no último “post”, no final de 2013, elegi 2014 como o ano da “Celebração”. Celebrar bons sentimentos, pequenos e simples momentos, vitórias, felicidades, trabalho, amizade, amor, cultura... Enfim, tantos são os motivos para agradecermos, que hoje, ao final do mês de janeiro, me vejo reclamando muito menos de tudo e agradecendo muito mais. Bom saldo.

Uma das coisas que propus a partir daquele ano era ficar rico. Sim, rico! Rico de cultura. E isso, conseguiria se me aviltrasse a movimentar um baú muito particular chamado cérebro e fazer uma bagunça dentro dele, tirando tudo que estava empoeirado, bem arrumadinho no mesmo lugar, sem mexer há algum tempo. Percebi que havia algumas coisas, que até mesmo nunca tinham sido mexidas. Vou contar o primeiro passo que utilizei pra fazer isso: ler. Ler muito. Escrever também. E por isso, me comprometi a escrever sobre um tema, sempre que meu coração pedisse. Encher-me de cultura útil, sem esquecer da inútil, claro. Quando conhecemos os dois lados da moeda, estamos sempre aptos a discutir sobre qualquer tema, sobre qualquer situação. Ampliamos nossa zona de conhecimento de forma que podemos traçar um marco comparativo e aí sim, termos discursos contundentes de defesa para os ideais que acreditamos.

A minha idéia hoje é escrever sobre um sentimento, extremamente clichê, mas que a meu ver é o início de tantas coisas, senão, de tudo. Ora, ora, que sentimento é esse? O amor, claro.

O amor está presente na vida do ser humano desde a criação do mundo. Muitos crêem que o mundo foi feito por Deus, iniciando com Adão e Eva, tendo seu desenvolvimento escrito em todas as histórias que estão na Bíblia e por aí vai. Outros seguem teorias mais racionais, como Chales Darwin, um naturalista britânico que alcançou fama ao convencer a comunidade científica da ocorrência da evolução e propor uma teoria para explicar como ela se dá por meio da seleção natural e sexual.  A evolução do homem através dos macacos era debate freqüente na escola, lá pela antiga quinta, sexta série do ginásio, quando a professora (Maria de Lourdes, nunca esquecerei o nome dela), colocava em discussão também a atuação de Martinho Lutero, um sacerdote católico agostiniano e professor de teologia germânico que foi figura central da Reforma Protestante. Sua principal bandeira fincou-se contra os conceitos da Igreja Católica veementemente contestando a alegação de que a liberdade da punição de Deus sobre o pecado poderia ser comprada. 

Mas teoria científica, racional, biológica, social, seja lá qual for, identificava naqueles debates uma “coisa” que aos meus 10, 11 anos não compreendia ainda: esse sentimento chamado AMOR. Era muito jovem, e esse sentimento não era racional. Era instintivo, naquela época. Por isso, somente mais tarde entendi o que significava. E foi aos meus 13 anos, quando perdi minha mãe para um fatal derrame cerebral, que em questão de exatas três horas entre o momento que sentiu a primeira pontada na cabeça e o seu falecimento (sim três horas), pôs fim à sua missão nessa vida terrena. Nunca me esquecerei daquela cena, como nunca esqueci o nome da minha primeira professora de História, aquela, a Maria de Lourdes dos debates. Ali começava a minha história de vida. Pelo menos o início que me recordo (ou que me permito recordar, talvez). O início que me remete a todas as atitudes, certas ou erradas, que tenho até hoje.

Combinemos o seguinte? O amor será o “marco teórico”, expressão muito utilizada pelo meu querido amigo mestrando Marcos Araújo (só que o dele é a “dádiva”, rs), que servirá de fio condutor dos “posts” que farei para contar em dez capítulos, a minha vida. Com esse sentimento tentarei criar um “elo” entre outros sentimentos, momentos que vivi e as conseqüências que ele trouxe na minha vida. Assim, vocês também poderão conhecer um pouco mais sobre mim e sobre a minha história. Estou me sentindo um pouco “Manoel Carlos”, autor de novelas que mais admiro e que imprime esse sentimento de maneira constante em suas obras. E que venha a nova novela das 21 horas, acompanhada de um “romance” da vida real chamado de “MINHA VIDA”. Até mês que vem com o primeiro capítulo da minha minissérie autoral.