Bem
pessoal, estou aqui mais uma vez, para escrever o primeiro capítulo da minha
“minissérie”. Como sou noveleiro assumido, cada capítulo terá o nome de uma
novela ou minissérie que gostei muito e, claro, que tenha a ver com o momento
que quero descrever. Lembramos do fio condutor? Amor, certo? Ok. Comecemos
então.
Era
o ano de 1980. Em 29 de julho eu nascia em Campo Grande , bairro
da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. Terceiro filho de Adélia e... Jaime
(depois vocês entenderão as reticências). Considero que fui uma criança feliz e
inocente até meados dos 9, 10 anos. O terreno da casa que morava era bem grande.
Nele havia a minha e mais duas ocupadas por parentes da parte do meu pai. Em uma
delas, a maior, moravam minha avó, minha tia e todos os seus sete ou oito
filhos. Não lembro. Preferi apagar. Na rua perpendicular à minha, moravam meus
avós maternos e a irmã caçula da minha mãe, minha madrinha, Nanci. Apesar disso, era
distante geograficamente para uma criança.
Lembro
de momentos felizes. São lapsos de memória que me permito recordar. O batizado
do meu irmão mais novo, Felipe, por exemplo. Lembro também, da primeira festa de aniversário que ele teve,
onde a minha mãe aproveitou o seu nascimento no mês de junho e fez uma festa
junina, com direito a bolo de fogueira. Um feito para a época que se faziam apenas festas de palhaço com cabeça de isopor em cima do bolo... Meu quarto tinha
quatro camas, todas elas com colchas iguais, confeccionadas pela minha mãe. Ela
comprava metros e metros de pano e produzia as colchas e as capas dos
travesseiros. Nas paredes, quadros de madeira com desenhos do Walt Disney, que
meu pai desenhava e pintava. Acho que o único dom que herdei dele que preferi
manter. As festas de Natal e Ano Novo também eram legais. Ficávamos o dia
inteiro na cozinha preparando a ceia, eu e meus irmãos arrumávamos a casa,
passávamos cera no chão (aqueles com “vermelhão”, que deixavam a sola do pé
manchada...rs). Lembro também que uma semana antes, minha mãe (ah... quantas
saudades dela...), limpava o telhado por dentro, pois estavam sempre cheios de
teias de aranha. Depois, comprava cal (uma espécie de pó branco combinado à
água que faz as vezes de tinta, só que bem mais barato) e misturava em um
corante qualquer para mudar as cores das paredes, arrumando a casa para os
festejos de fim de ano. Lembro da última cor que pintamos: amarelo.
Meu
pai, pelo que me lembro, sempre trabalhou à noite e minha mãe virou dona de
casa logo depois que casou. Até que, quando eu ainda muito criança (fui saber
tempos depois), minha mãe descobriu que ele mantinha um relacionamento extraconjugal
há muitos anos, quase o mesmo tempo daquele casamento, que eu, na minha
inocência, considerava feliz. Uma
conclusão eu tirei depois de tantos anos que se passaram: Ela realmente o amou.
E AMOU MUITO. Assim como amou todos os seus filhos, de maneira tão intensa que
viveu seus poucos 43 anos como se 80 fossem. Não posso me estender em muitos
detalhes, pois existem duas situações que me impedem: detalhes da minha vida
que são só meus e outros que deixariam essa história longa demais. Vou ater-me
aos principais momentos para que vocês possam entender lá na frente. Lembro que
mais tarde, minha mãe descobriu que além de ter uma amante, ela visitava a casa
da minha avó, levando o “neto”. Lembra da maior casa do meu quintal? Sim nesta
casa. Eu recordo claramente de um dia ter brincado com meu irmão, sem saber que
ele era filho do mesmo pai. Anos depois, minha mãe descobriu isso tudo. Brigou
com todos e ainda foi agredida pela minha tia, irmã dele. Coisas de novela?
Não. A mais pura verdade. A vida real. Ela sofreu muito. E por amar, perdoou. A
ele e a toda a sua família conivente com toda aquela história suja.
Minha
mãe...exemplo de mulher. Exemplo de ser humano. Talvez um exemplo que não quis
ter, somente admirar, para não passar pelo mesmo sofrimento. Aí começava a me
tornar um homem mais duro e mais maduro para aqueles quase 10 anos de idade.
Cerca
de dois anos depois, meu pai arrumou um outro emprego e....outra amante! Caramba!
Depois de tudo que minha mãe sofreu, novamente estávamos vivendo aquelas
discussões em casa, "eu te amo pra lá", "me perdoa pra cá", e todas aquelas
histórias que vão minando qualquer relação de amor. E qualquer relação de respeito que um filho
possa ter por um pai. MEU BEM, MEU MAL. Já era maior, entendia das coisas e o
sofrimento da minha mãe me consumia. Até que ele começava a vir dia sim, dia
não, para casa. Depois semana sim, semana não. E depois mês sim, mês não. Ela
sempre o aceitava. Ela o amava. Ele por sua vez, deixou por completo suas
obrigações de pai. Minha mãe voltou a trabalhar fora. Lembro que de início
fazia às vezes de doméstica na casa do meu avô. Lavava, limpava, fazia comida e
ele sempre a ajudava. Ela fazia os afazeres, pois não queria ser simplesmente
sustentada pelo meu avô. E meu pai... Nem notícias. Minha mãe começou então a
trabalhar como copeira em um clube perto da minha casa: o Campo Grande Atlético
Clube. Lembro até hoje d´ela chegando em casa com um saco plástico com restos
de comida, que ela alegava para seus supervisores ser para os cachorros e de
dentro dele tirava um outro saquinho bem protegido e em seu interior havia
queijo e presunto, que ela dava a mim e aos meus irmãos. A grana era muito
pouca para uma mulher e quatro filhos, então o que complementava a nossa
refeição era a “xepa” do sacolão. Esse sacolão existe até os dias de hoje. De
vez em quando eu vou lá... Estou escrevendo agora e sorrindo lembrando da nossa
comida: um dia arroz com ensopado de cenoura, no outro com ensopado de chuchu e
no outro com ensopado de batata e por aí seguia com qualquer resto de legume
que ela conseguia recolher. Orgulho demais de ter tido essa mãe. Na verdade,
tive sorte. Creio nisso. Meu irmão mais velho, Vitor, já estava fazendo uns
bicos e trabalhava em um aviário (aqueles locais onde vendem aves, vivas e
mortas) próximo a minha casa, ajudava a minha mãe ocupando o lugar e absorvendo uma responsabilidade de pai, que era do meu pai, no “alto”
dos seus 17 anos. E assim íamos seguindo. Foi nessa época que comecei a me
revoltar com ele...Jaime (entenderam a reticências agora?). Já não aceitava suas idas e vindas sem explicação.
Resolvi fazer a minha parte: estudar. Estudava muito. Comia livros. E por isso,
vou dedicar um capítulo somente à minha formação.
Sempre
gostei de novelas. Era um mundo de fantasias igual aos livros que lia. Naquela
época, estava no ar uma chamada "MEU BEM, MEU MAL", de Cassiano Gabus Mendes. Entre
tantas tramas, algumas coisas me marcaram: foi a última da atriz Lídia Brondi,
havia uma personagem muito popular interpretada por Vera Zimmerman, chamada
“Divina Magda”, pelo mordomo Porfírio, interpretado por Guilherme Karam, no
núcleo principal da novela: a mansão dos Venturini. Mas existia uma que me
chamou a atenção: um homem pobre, Doca (Cássio Gabus Mendes), que teve que
conviver com a alta sociedade para vingar as amarguras do passado de uma outra
madame vivida pela Isis de Oliveira (sim, a irmã da Luma). Na verdade, queria ser como ele. Também transitar entre o mundo de pessoas elegantes e bem sucedidas, mas com outro objetivo: mostrar que apesar de tudo havia vencido.
Muitos
anos depois de comer arroz ensopado com chuchu, eu estaria ministrando
palestras em congressos fora do estado e participando de jantares no salão
nobre do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Novela? Não. Vida real, que
segue nos próximos capítulos...