Ei
galera! Aqui estou de volta para escrever o capítulo dois da minha minissérie
autoral. O ano de 1993 foi um dos mais trágicos da minha vida. Mas foi um ano
decisivo. Foi nele que optei pelo caminho do bem. Apesar de tudo...
Bem,
continuando de onde paramos, minha mãe vinha trabalhando cada vez mais. Ela já
tinha sofrido um derrame cerebral que a tinha deixado há uns sete anos antes
com todo o lado direito do corpo paralisado (nessa época eu devia ter uns cinco
anos de idade). Desde muito pequeno sempre fui seu fã. Então, tudo que ela
fazia ou falava era objeto de registro em minha mente e mesmo com tão pouca
idade, lembro dessas lições e experiências. Ela conseguiu se recuperar e estava
ali, sendo forte e enfrentado uma nova agrura que a vida lhe impôs. Sustentava-nos
e nos defendia como uma leoa. Meu irmão mais velho, que por algum tempo era
quem eu admirava, já dava sinais de envolvimento com drogas, aos 17, 18 anos e
isso a deixava mais ferida. Lembro de vê-la, às vezes, cheirando as roupas dele
e de uma surra que o deu quando percebeu que ele tinha fumado o primeiro (eu
acho) cigarro de maconha. Imaginem vocês como deve ter sido difícil passar por
tudo que ela passava e ainda ter que administrar um problema desses? Ainda
penso até hoje o que leva as pessoas a se drogarem. Algo tão nocivo para si
próprio, como pode exercer tanto fascínio? Não me cabe julgar, embora tenha
feito isso por muito tempo na minha vida. Existem outras coisas que fazemos de
forma tão natural e não percebemos (ou não queremos ver) que também nos fazem
mal e podem ter conseqüências tão ou mais graves: transar sem camisinha e/ou
com várias pessoas ao mesmo tempo, fumar cigarro, beber álcool
desmedidamente... Enfim, um pouco de AMOR próprio não custa, mas cabe a cada um
de nós julgarmos as nossas próprias atitudes e as conseqüências que elas
trazem. Quero dizer com isso que não acho, até hoje, que devamos culpar alguém
por enveredarmos por um caminho torto ou obscuro. As escolhas são nossas. Pagamos
ou recebemos por elas. E por isso não atribuo ao meu pai (por mais que
desaprove todas as suas atitudes), as escolhas feitas pelo meu irmão mais
velho. Ele já era adulto e sabia o que fazia. Tinha orientação da minha mãe e,
ainda assim, preferiu continuar.
Ela
sofria muito e por isso, passou a ser uma mulher triste. Vivia para o trabalho
e para o sustento dos filhos. Não se divertia mais, não sorria mais, não era
mais feliz...Mas e o meu pai? Nesse ano de 1993, já não aparecia nem mensalmente mais.
Suas visitas eram quase que trimestrais. Quantas vezes acordei de madrugada e
ouvia o choro dela...sozinha... Tão difícil escrever isso, pessoal. Tudo vem à
tona e minha vontade seria a de voltar no tempo e dar um jeito de viver tudo no
lugar dela, que aquele sofrimento fosse meu. Nossa! Como sinto sua falta! Como
ela foi importante pra mim, mesmo convivendo apenas 13 anos com ela. Tenho dois
outros irmãos do mesmo casamento dos meus pais: Lourdinha (até os nomes são de
novelas, não é? rs..) irmã mais velha que eu e mais nova que meu irmão Vítor.
O outro, caçula, Felipe, tinha na época do falecimento da minha mãe, seis
anos. E no último ano de vida dela, já não bastassem todos os problemas que
vivíamos ele começou a desenvolver uma espécie de “diabetes emocional”. Segundo
explica o Dr. Leão Zagury, membro da American Diabetes Association e da
Sociedade Argentina de Diabetes, "o estresse emocional, tanto o bom quanto
o ruim, pode funcionar como um gatilho que aciona o diabetes do tipo 1 e 2 em
indivíduos com histórico familiar para o problema". E foi exatamente isso que aconteceu com ele. A ausência de recursos
financeiros levou a minha mãe, sozinha, a buscar atendimento em postos de
saúde. Na época, era ainda mais difícil conseguir um agendamento com
especialista da rede pública, então ela tinha que sair com ele de madrugada
(3:30, 4:00h) para chegar bem cedo ao posto de saúde e conseguir
ser atendida. Eu a acompanhava em tudo, queria ser o homem da casa, mas era
muito novo e muito pequeno (sempre tive baixíssima estatura, rs) e ela, então,
não permitia. Mas eu acordava junto com eles e acompanhava cada passo: ia atrás
deles no banheiro, ficava olhando ela arrumando meu irmão e muitas das vezes
ela brigava comigo - “Vai dormir menino!”. Eu não ia. Era como se eu estivesse
velando por eles e dentro da minha impossibilidade física, defendendo-os de
todo o mal. Lembro como que fotografia registrada no meu “HD cerebral”, a
última vez que eu os acompanhei ao portão: meu irmão “piquitito” com cinco
anos, todo agasalhado, parecendo um boneco e eu enrolado em um cobertor olhando
eles se distanciarem naquela madrugada cheia de neblina.
Naquele
ano de 1993, estreou uma novela intitulada “FERA FERIDA”, que muito me chamou
atenção pelo seu enredo. Revolta, morte e vingança eram o mote principal
daquele folhetim. Essa novela, escrita por Aguinaldo Silva, Ricardo Linhares e
Ana Maria Moretzsohn, foi embalada pelo tema musical de mesmo nome, de autoria
do “rei” Roberto Carlos e interpretada magnificamente por Maria Bethânia. Os
versos da canção fazem parte até hoje da minha história:
Acabei
com tudo
Escapei
com vida
Tive as
roupas e os sonhos
Rasgados
na minha saída...
Sufocando
meu gemido
Fui o
alvo perfeito
Muitas
vezes
No
peito atingido...
Era o
dia 29 de outubro do fatídico ano de 1993, mais ou menos 5:00h da madrugada,
quando minha mãe se levantou para passar roupa para o meu irmão mais velho
trabalhar. Em alguns minutos ela começou a sentir fortíssimas dores de cabeça e
em questão de outros poucos minutos estava caída, com a língua enrolando dentro
da boca. Meu coração dispara nesse momento que escrevo, da mesma maneira que
disparou naquele dia, quando eu, como sempre, acordei junto com ela para seguir
todos os seus passos. Foi sem dúvida, até hoje, o pior dia da minha vida. Meu
irmão, muito forte, pegou-a nos braços e a colocou na cama com auxílio da minha
irmã e eu correndo fui à casa da minha avó chamá-la para nos ajudar (lembram
que morávamos todos no mesmo quintal?). Tínhamos uma vizinha “Dina” que, com
todos os defeitos, sempre foi muito amiga e presente na nossa vida e ela,
juntamente comigo, saiu em busca de um taxista, amigo seu, na rodoviária de
Campo Grande, bairro que moro ainda até hoje. Fomos à pé, andando uns quatro
quilômetros, desesperados e trêmulos. Eu lembro como se fosse hoje, que durante
a caminhada eu olhava para o céu, com os olhos marejados e o coração apertado,
rezava, orava, pedia a Deus e a todos os Santos que nada acontecesse com a
minha mãe. Pedia a Deus para não me deixar sozinho no mundo, aquelas aflições
de criança. Mas uma criança com uma sensibilidade muito grande. Na verdade eu,
contra a minha vontade, pressentia que o pior estaria por vir... Dividia meus
sentimentos entre a aflição da possível perda da minha mãe e a ausência
insensível e revoltante do meu pai...
Eu sei!
Quanta
tristeza eu tive
Mas
mesmo assim se vive
Morrendo
aos poucos por amor
Eu sei!
O
coração perdoa
Mas não
esquece à toa
E eu
não me esqueci...
Minha
irmã acompanhou a minha mãe ao hospital, ela era a parte mais racional da minha
família. Lembro que as horas foram poucas (cerca de três), porém, pareciam dias
até que ela voltasse do nosocômio. Meu corpo doía, minha cabeça rodava, meu
irmão caçula pálido, vendo desenho na televisão em preto e branco, mas acho que
também sentia algo. Eu e ele, ele e eu, somente. Até que minha irmã chegou e eu
vi, da janela, uma vizinha amiga da minha idade, Vanessa, chorando antes de ela
entrar em casa. Dessa cena
também não me esqueci. Pronto! Eu já sabia! Ninguém precisava me dizer! Ela se
foi! Que dor... a pior sentida em toda minha vida...Chorava, gritava. Joguei
todas as roupas do meu pai que estavam no armário no chão, pisei em cima delas,
gritava que o odiava e até que exausto, rouco, caí no chão abraçado ao
travesseiro que tinha o cheiro dela. Meu pulmão doía de tanto gritar, as
lágrimas saíam sozinhas sem sons. Estava cansado. Estava morto também. Seu
cheiro estava ali, ainda perto de mim como se ela ainda estivesse viva. E vive,
até hoje no meu peito, na minha memória. E essa é a homenagem que faço à ela,
que me ensinou o que é o AMOR. Minha mãe, minha guerreira.
Não fui
ao seu enterro. Fui criticado por muitos, mas não queria dentro do meu álbum
fotográfico cerebral, ter registrada a cena dela dentro de um caixão. Por isso
ela vive até hoje em minha memória.
Me
senti sozinho
Tropeçando
em meu caminho
À
procura de abrigo
Uma
ajuda, um lugar
Um
amigo...
Por
instinto decidido
Os meus
rastros desfiz
Tentativa
infeliz
De
esquecer...
Que
flores existiram
Mas que
não resistiram
A
vendavais constantes
Eu sei!
Que as
cicatrizes falam
Mas as
palavras calam
O que
eu não me esqueci...
Meu
pai, não sei como, apareceu naquele dia mesmo à noite. Chorava, pedia perdão a
nós, abraçava-se aos meus irmãos e eu catatônico o observava como se a um ator
em uma peça de teatro. Percebi dias depois que era, de fato, uma belíssima
atuação. Eu, muito “franzino”, tinha corpo de 10 anos, idade de 13 e uma
mentalidade e malícia de 25 anos. Seu comportamento me soava falso, não
acreditava naquele sofrimento repentino. Mas as coisas ainda iriam piorar mais.
Entretanto, um anjo surgiria na minha vida. E vocês me perguntam: mas ainda tem
mais sofrimento? Tem. E ainda assim houve esperança por dias melhores? Sim.
Estão curiosos de como continua? Aguardem, pois agora preciso secar lágrimas
que não caíam há muito tempo dos meus olhos e como um bicho machucado, lamber
as feridas que acabaram de se abrir novamente para tentar cicatrizá-las e
continuar contando essa história no mês que vem...
Sou
Fera Ferida
No
corpo, na alma
E no
coração...