Vocês
sabem que sempre posto um capítulo a cada último sábado do mês, certo?
Mas esta
postagem atrasou proposital e providencialmente, não necessariamente nesta
seqüência. No mês de abril passado, nasceu um embrião que estava sendo
projetado há mais ou menos 10 anos... sim, 10 an-os: o site do meu amigo
Marcos Araújo www.fanz.com.br. Site esse
que convido-os a ler pois tem um pouco de tudo: cultura, literatura, teatro,
cinema e é claro, seguimento underground que é o seu estilo precípuo. Valeu a
pena esperar pois o “negócio” projetado por ele ficou muito, muito bacana. Ah,
sou colunista de lá também, mais um motivo para vocês, meus seguidores, darem
uma força e alavacarem a audiência do site. Mas como havia dito, a data de
estréia conflitaria com a minha publicação e coincidentemente (ou não), o meu
foi adiado para hoje, véspera do Dia das Mães. Fiquei pensando qual o nome
daria para este “post” já que queria falar sobre o anjo que estaria por cruzar
o meu caminho. Contudo, não achei que nenhuma novela, até hoje, com nome de
anjo, se encaixaria na proposta, nem pelo título, nem por sua sinopse. O texto
já explodia em minha cabeça, mas o nome... que angústia! Tentei não me
desesperar pois tal qual as telenovelas, muitas tem sua denominação modificada
pelo menos umas três vezes antes de sua estréia. Então, com vocês, aquela que
entrou em minha vida não só como um anjo, ela era de carne e osso e forte como
Maria, mãe de Jesus, e doce...como UM DOCE DE MÃE!
Parei
a história contando sobre a retumbante volta teatral do meu pai, chorando
copiosamente com saudades da minha mãe e pedindo perdão a todos nós... Cansei
de pensar nessa parte, pois um sentimento sepultado de revolta que tenho em meu
peito parece querer ressuscitar. Naquele dia ele nos encheu de promessas como
fizera durante toda a vida ao lado da minha mãe... Mas, por mais que eu
quisesse acreditar nele, eu não conseguia...
Enfim,
os dias foram passando, meu irmão mais velho, já sem a “marcação cerrada” da
minha mãe, entrava cada vez mais no mundo sombrio das drogas. Preciso
ressaltar algumas coisas sobre isso: Eu sabia do que ele fazia, as companhias
que ele andava não eram das melhores e tinham fama pelo bairro, porém nunca vi
nada, uma cena sequer. Ele nunca se permitiu ser visto por nós. Mas não posso
negar também, que meu irmão durante muito tempo cumpriu um papel que deveria
ser do meu pai. Se não fosse ele ajudando nas despesas de casa, minha mãe teria
feito tudo sozinha. E fez a maioria, lógico. Porém, meu irmão com 17, 18 anos,
nesse sentido, se tornou fonte de inspiração pra mim no futuro. Pena ter sido
fraco diante daquele mal. Poderia ter sido um homem melhor... Minha irmã já
estava prestes a se casar e assim, eu e meu irmão mais novo, Felipe, tínhamos
cada vez mais que contar um com o outro.
Como
já disse em um "post" anterior, não estou aqui para contar muitos detalhes da
minha vida. Apenas o que acho enriquecedor aos olhos dos outros e para mim como
ser humano. Também não vou apontar erros de outras pessoas, embora alguns deles
se façam necessários para completar minha narrativa. Mesmo assim, preciso
dedicar uma frase, uma parte desta história ao meu irmão Felipe, na época com 6
e hoje com 27 anos. Como disse, tenho seis irmãos: quatro de sangue (um deles
fora do casamento do meu pai) e dois de coração (que amo como se de sangue
fossem). Felipe é, deles, o que mais sinto orgulho. Se vocês acham que sofri,
lendo a minha história, considero meu irmão um "mini-herói". À ele, todas as
minhas honras. Ele, de fato, sofreu muito mais do que eu. Perdeu a mãe e o pai,
bem cedo, e seus padrinhos também. Passou fome alguns dias ao meu lado, passou
pela casa de várias pessoas, logo depois que meu pai nos abandonou até ficar de
vez (e até hoje com meu cunhado e minha irmã, que o consideram como filho) e
hoje, é um homem honrado. Trabalha, estuda e tem sua vida pautada na
honestidade. Esse é o cara! Meu irmão querido, Felipe...
Com
a ausência do meu irmão e da minha irmã, meu pai um dia, mais precisamente, no
dia da missa de sétimo dia da minha mãe, disse que deveria sair à noite para
resolver um problema e que voltaria mais tarde. Ele não foi à missa e também
não voltou mais para casa. No dia 5 de novembro de 1993, nos despedimos para
nunca mais nos vermos. Ele saiu e não voltou mais. Tive algumas notícias ao
longo do tempo sobre ele, todas muito evasivas até o dia que recebi a notícia
de sua morte, há uns quatro ou cinco anos atrás, não sei ao certo.
Desapeguei-me totalmente. Tornou-se um estranho. Vou confessar algo que nunca
falei com ninguém: tentei perdoá-lo. Pedia a Deus para abrir o meu coração e me
fazer seguir os ensinamentos bíblicos que foram reforçados em todas as
religiões que passei e pesquisei. Confesso também que não consegui.
Sinceramente? Não por mim. Pela minha mãe e pelo meu irmão mais novo. Por todo
o sofrimento que lhes foi causado. No dia de sua morte, chorei. Não consigo até
hoje classificar o que senti. Tenho apenas certeza que não era amor. Acho que
por isso chorei. Por não sentir nada por ele. Me sentia culpado aos olhos de
Deus. Resolvi tentar esquecer aquilo tudo e hoje, quando lembro, peço por ele
em minhas orações. Acho que minha mãe gostaria dessa atitude. Mas peço como se
fosse para qualquer outro ser humano que precisa de misericórdia.
Bem,
preciso voltar um pouquinho para não me perder. A ida dele culminou em outro momento
difícil da minha vida. Sem pai, sem mãe e sem irmãos, estávamos ali, dentro
daquela casa, palco de festas, churrascos e ceias de Natal felizes, apenas eu e
meu irmão. Duas crianças e uma televisão em preto e branco, que eu (nessa hora,
ao lembrar-me, um riso de melancolia, de canto de boca desperta em meu rosto
acompanhado de um suspiro), colocava papel celofane verde, vermelho ou azul
para ver se ficava colorida como dos meus colegas de colégio, que tinham TV em cores. Naqueles
dias, ainda havia resíduos de comida no armário, que eu ia “esticando” a medida
que podia. Mas uma hora acabaria...
Colocava
meu irmão para a escola pela manhã, preparava o jantar com esses alimentos que
ainda tinham na dispensa e assim foram passando os dias, três, quatro, cinco...
Até que... a comida acabou. “Dina”, aquela vizinha que me ajudou a buscar o
taxista para socorrer minha mãe, foi presente também nessa época. Lembro com
riqueza de detalhes quando ela me dava alguns pratos de comida por cima do muro
para dividir com meu irmão. Minha mãe deve ter recebido ela no céu de braços
abertos, por ter nos ajudado. Uma pena, ela também já se foi. No meu quintal,
cercado de familiares por parte de pai, ninguém nos ajudava. Eram indiferentes.
Como hoje sou com todos eles. Às vezes nos encontramos pelas ruas do bairro e,
errado ou não, faço questão de não cumprimentar nenhum deles. Como disse, não
sou exemplo de ser humano perfeito. Naquele período de dificuldades e abandono,
minha avó, minha tia, meus primos, ninguém perguntava se precisávamos de algo.
Estávamos ali, prontos para começar um processo de míngua alimentar. E por
isso, também não consigo perdoá-los. Criei uma barreira de concreto e ferro
entre nós, que não consigo nutrir qualquer tipo de carinho. Aliás, nenhum tipo
de sentimento. Mas, diante daquela penúria anunciada, me deu um estalo! Para
economizar a nossa comida, nos alimentávamos bem na escola, pois nos colégios
públicos, a merenda, na maioria das vezes servia-se comida. Era nosso almoço.
Mas não tinha lanche e nem café da manhã, tampouco jantar. Essa é uma das
partes (pasmem!), que mais sinto orgulho de contar. Restaram na dispensa apenas
farinha e açúcar. A comida para o jantar acabara e a vergonha de continuar
pedindo comida à vizinha chegou... Comecei então a fazer para nossa janta, uma
“farofa doce”. A receita era simples, podem anotar se quiserem: resto de óleo
velho que tinha em uma frigideira, farinha e açúcar. Fritava bem até ficar
torradinha. Mandávamos pra dentro com água e estávamos prontos pra dormir! Na
minha inocência de uma criança de 13 anos, esqueci que isso também acabaria.
Durou, ao certo, apenas três dias. No quarto não tínhamos mais nada. A fome
bateu, a saudade das pessoas que amava também e um “mix” de muitos sentimentos
tomou conta de mim. Olhava meu irmão novinho, pálido, triste e uma mágoa,
misturava-se com ódio da vida e do mundo tomava conta do meu peito, na minha
impossibilidade de fazer algo. Foi aí que resolvi dar o tiro de misericórdia. Coloquei-o
para dormir, desligando a televisão. Essa tática era a última e desesperada
para não ouvi-lo me dizer que estava com fome... Eita, que saco! Não consigo
enxergar o teclado porque as lágrimas embaçam meus olhos lembrando daquela
cena. Enfim, respiro fundo e continuando a narrativa, lembrei que ainda tinha
minha madrinha, Nanci. Morria de medo dela (rs), ela era superbrava, durona, metódica
e nossa relação nem era tão próxima assim. Engraçado...Hoje meus sobrinhos me
vêem da mesma maneira. Acho que virei uma cópia do que ela foi. E me orgulho
muito disso.
Minha
madrinha era a única que eu confiava para contar tudo que estava acontecendo e
era a última oportunidade de ajuda que eu poderia ter. Meu padrinho, irmão do
meu pai, estava no mesmo lado de sua família: indiferente a mim. Então, eu com
aquele corpinho mirrado de 10 anos de idade (apesar dos 13, rs), estufei meu peito
e fui procurá-la. Não podia fazer com meu irmão o mesmo que meu pai. Não podia
abandoná-lo como a vida já tinha feito tantas vezes em tão pouco tempo. Fui à
casa da minha madrinha e ela estava de plantão (ela trabalha em hospital até
hoje. Aliás, uma das profissões que tenho, técnico de Radiologia, foi
justamente porque vi nela ao longo desses anos, todo o exemplo de ser humano
que queria ser). Falei com meu avô (ela morava com ele) rapidamente o que
estava acontecendo, que eu e meu irmão estávamos sozinhos em casa há dias (só
não disse que estávamos passando fome) e voltei para casa, com o peito murcho
dessa vez. Totalmente impotente. Cheguei em casa e me tranquei no banheiro para
meu irmão não acordar e chorei, copiosamente. Lembrava da minha mãe. D´ela
levando ele ao médico de madrugada. D´ele pálido sem comida. De nós dois
abandonados... Caramba! Muita dor tomava conta do meu peito. Mas
engraçado...Nunca quis morrer para não sofrer mais. O sentimento de revolta era
constantemente substituído por um pensamento que virou um “mantra” pra mim: "Vou
dar a volta por cima e um dia vou contar essa história!" Pois, eis ela.
Naquele
dia adormeci no sofá e fui acordado com uma mão acariciando meu rosto na mesma
noite. Era o anjo! Aquele anjo que tanto falei e que, na verdade, sempre esteve
ao meu lado. O anjo era forte e obstinado, justo e disposto como a mãe das
mães, Maria, a de Jesus. Tinha um sorriso no rosto e não fez muita cerimônia e “na
lata” me mandou o recado, assim como o arcanjo Gabriel quando anunciou a vinda
do Salvador a Maria. Era ela: minha madrinha, Nanci. Me disse com a firmeza que
sempre lhe foi peculiar: “Você vai juntar suas coisas agora e vai embora
comigo! Junte as do seu irmão também que levaremos ele para a casa de sua tia.”
Era minha Tia Amélia, outra irmã de minha mãe. Ali começava uma nova etapa da
minha vida.
Esse
terceiro capítulo, me obriga a fazer um balanço de cenas que vivi até aqui e
nunca esqueci: As festas na minha casa, aniversários, ceias de Natal; minha mãe
levando meu irmão de madrugada ao posto de saúde pra tratar o seu diabetes
precoce; a morte dela repentinamente; o retorno e abandono do meu pai; as
refeições de farinha com açúcar; a fome; as lágrimas trancado no banheiro e eu
olhando pra trás quando fui embora daquela casa... Era o ano de 1994. Há vinte
anos atrás. As cenas passam pela minha cabeça como os folhetins que tanto sou
fissurado, como “flash backs”. Nesse período muitas novelas e minisséries
estrearam. Umas de muito sucesso e outras nem tanto. Quase vinte anos depois,
estrearia um seriado que hoje me faz pensar no futuro. Esse seriado, deu à uma
das damas do teatro, televisão e cinema brasileiros, Fernanda Montenegro, o
“Oscar” da televisão: o Grammy de melhor atriz. Penso no futuro quando vejo
essa série, porque acho que minha “nova mãe” vai ser assim também: doidinha,
impetuosa, independente e doce. Um "DOCE DE MÃE". Essa foi a reviravolta que
estava por vir em minha vida. “Meus bens e meus mals”, estavam no passado.
Enterrados, mas de vez em quando lembrados em minha história. As feridas da
fera, estavam começando a cicatrizar. E eu estava ali, renascendo “do” e “no”
amor. Mais uma vez. Deus não tinha me abandonado. Ele nunca nos abandona. Tudo
é providência. Tudo é aprendizado.
Amanhã
é Dia das Mães. Agradeço a Deus por ter me dado a oportunidade de ter tido
duas. Ainda lembro do cheiro do travesseiro que minha mãe dormia. Ele está
entranhado em minhas narinas desde o dia que ela morreu. Seus cabelos lisos e
grisalhos, seu olhos verdes, sua gargalhada... Sinto falta. Mas hoje, tenho
outra: os cabelos não são grisalhos e lisos naturais, ela pinta e faz escova
progressiva. Seus olhos são castanhos e geralmente sua gargalhada é precedida
ou procedida de um berro, pois ela é, por natureza, deliciosamente escandalosa.
São irmãs, de sangue. E tem um cheiro muito parecido...Quando a saudade aperta
também cheiro seu travesseiro. Nunca falei isso para ela, ela vai saber quando
estiver, junto com vocês, lendo este "post".
Aproveitem
o Dia das Mães e mimem também sua matriarca. Não sabemos até quando elas
estarão ao nosso lado. Aprendi a não temer a morte, mas me previno para que
quando ela chegue, eu não tenha deixado de dizer “eu te amo” e ter demonstrado
meus sentimentos de todas as maneiras que Deus me permite fazê-lo. Que o Dia
das Mães de todos nós seja DOCE como a série de TV, e que possamos lembrar que
Deus está nos observando, pronto pra dar o Seu recado, basta estarmos atentos e
de coração aberto a ouvi-lo ou senti-lo. Essa é minha homenagem àquelas que
souberam me mostrar o verdadeiro significado da palavra amor: MINHAS MÃES. Mas
a vida continua e continuaria depois daquele episódio. Eu, com uma mochilinha
nas costas, uma sacola de supermercado com algumas peças de roupa em um dos
braços e de mãos dadas com a minha nova mãe, olhei pra trás e vi aquela casa,
que tantos momentos vivi e me fez amadurecer tanto em tão pouco tempo de vida. E
decidi, então, que eu iria RENASCER... Mas esse é um outro capítulo, que
compartilho com vocês no mês que vem...
Emocionante, porém as minhas lágrimas hoje, foram doces.... assim como sua mamãe... Nanci! Ela sim é: "a mais linda".
ResponderExcluirNão tem como eu não me emocionar vc tão novo como eu mais tão forte e eu tão menina tão inocente de não saber claramente de tdo q se passava no seu intimo. Só uma certeza eu seu quando vc foi embora sofri muito parecia q minha estava indo embora junto de ti e a minha inocência.
ResponderExcluirPoxa apesar dessa minha timidez ao se esbarramos na rua não tenho coragem d falar mais sinto muito orgulho d vc pois sei sempre soube q vc seria um homem formado e do bem.
E um dia triste para eu mais hoje eu tenho Miguel q m tira qualquer tristeza m tornei mãe e um ser humano melhor. Te gosto muito d coração
Esses dias a encontrei no hospital no qual tb trabalho e perguntei por vc.Leonardo Raposo
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